One face among the many, I never thought you cared.

Encaix(amos).


A colher raspava o fundo da taça monocordicamente, cortando o silêncio pontualmente. Ela e os seus cereais integrais, ele com torradas e doce. Apesar do som metálico, nunca se sentira tão confortável num silêncio tão profundo como aquele. As palavras nunca tinham sido suficientes para eles. Os gestos nunca tinham sido suficientes para eles. Sabia-se lá se o mundo era suficiente para eles. Mas aquele pequeno-almoço parecia representar toda a sua existência. A existência daquele amor e também a sua.

Era a partilha de um momento, aparentemente simples e informal, mas simultaneamente íntimo. A noite passada tinha trazido esperanças consigo, esperanças que Elisa temia tanto que quase queria que nada daquilo tivesse acontecido. Tinha trazido medos, e nada de segurança. Pensara mesmo em fugir do hotel, escapulir-se a meio da noite, enfiar-se num recanto qualquer e deixar a tempestade passar. Deixar que Luís a esquecesse para sempre, e não acreditava que isso algum dia fosse possível.
Fosse porque fosse, ficou na cama e só saiu de lá quando o sol nasceu, para ir até à varanda. Depois vestiu-se rapidamente, como uma adolescente que nada percebia da vida. Esperou por Luís na mesa cheia de pires, talheres miniatura e um cesto entulhado de pão variado. Trincou o de centeio, bebeu sumo de ananás natural, era a única pessoa na sala, mas isso não a incomodava, a solidão era uma velha amiga. Eventualmente ele apareceu, mas o medo tinha desaparecido. Após os primeiros segundos, era como se o tivesse conhecido toda a sua vida. Viu-o a barrar torradas com manteiga e a encher uma chávena de café. Disse-lhe
- Bom dia,
E perguntou-lhe como estava. Respondeu, sim, está tudo bem, e contigo? Estou bem, obrigada, e nada mais disseram um ao outro, mesmo depois de ela ter enchido a taça com os cereais. Apesar de comerem um pequeno-almoço diferente e de terem partilhado a mesma cama, juntos, aquilo fazia sentido. Talvez fosse esse o ponto final nos pesadelos de Elisa. O terror da incompatibilidade. O terror do abandono. O terror das consequências disso. Eles estavam na mesma linha, um não era mais que o outro; Luís não punha adoçante no café e Elisa não juntava açúcar ao seu leite. Separados, eram como vítimas da sociedade, afastadas dela para não se magoarem, para evitarem o sofrimento conhecido. Juntos, faziam sentido. Juntos, não andavam dispersos no mundo, tinham-se um ao outro para se agarrar. Juntos, caminhavam numa só direcção, procuravam a mesma coisa. Juntos, não partilhavam apenas um passado semelhante, mas também um futuro em linha recta. Sem torpedos e sem receios, anulavam-se um ao outro, equilibravam-se, criavam uma estabilidade que lhes era completamente desconhecida.


A partir daquele momento, Elisa entendeu que se podia viver 18 anos de felicidade falsa, ou então poder-se-ia viver um pequeno-almoço tão perfeito que não seria necessário mais um segundo para ver o mundo. O mundo estava ali. Bem na sua frente.



: Dirty Dancing

last dance - I've Had The Time Of My Life
: Tanith Belbin and Benjamin Agosto

Torino 2006
(I would die for you)
I would die for you
(I've been dying just to feel you by my side
To know that you're mine)

(I will cry for you)
I will cry for you
(I will wash away your pain with all my tears
And drown your fear)

(I will pray for you)
I will pray for you
(I will sell my soul for something pure and true
Someone like you)

(See your face every place that I walk in
Hear your voice every time I am talking
You will believe in me
And I will never be ignored)

I will burn for you
Feel pain for you
(I will twist the knife and bleed my aching heart
And tear it apart)

I will lie for you
Beg and steal for you
(I will crawl on hands and knees until you see
You're just like me)

(Violate all the love that I'm missing
Throw away all the pain that I'm living
You will believe in me
And I can never be ignored)

I would die for you
I would kill for you
I will steal for you
I'd do time for you
I would wait for you
I'd make room for you
I'd sail ships for you
(To be close to you
To be a part of you
'Cause I believe in you
I believe in you)
« 1# Crush » , Garbage
I would die for you.
: Afife, 2007

Tu queres sempre o que é complicado.


(but I'm only happy when it's complicated too.)
- Eu brinquei com bonecas até aos 14 anos.
- Eu tenho uma obsessão por leite condensado.



(tretas amorosas.)
BUT THIS FEELS...




: « Summer Son » , Texas

Here comes the summer's son
He burns my skin
I ache again
I'm over you

I thought I had a dream to hold
Maybe that has gone
Your hands reach out and touch me still
But this feels so wrong
: Dresden Dolls
Push it
- Make the beats go harder.





(this is the noise that keeps me awake. my head explodes and my body aches.)

: Tatiana Navka and Roman Kostomarov

« Sikuriadas » , Incantation

Torino 2006 - Gala

Help, I have done it again. I have been here many times before. Hurt myself again today. And, the worst part is there's no-one else to blame. Be my friend. Hold me, wrap me up. Unfold me. I am small . I'm needy. Warm me up. And breathe me. Ouch. I have lost myself again. Lost myself and I am nowhere to be found, yeah I think that I might break. I've lost myself again and. I feel unsafe. Be my friend. Hold me , wrap me up. Unfold me. I am small. I'm needy. Warm me up. And breathe me. Be my friend. Hold me, wrap me up. Unfold me. I am small. I'm needy. Warm me up. And breathe me...

Breathe Me , Sia

Hello, hello, hello, how low?


Os ponteiros do relógio moviam-se lentamente. Não tirava os olhos deles, principalmente no dos segundos, que parecia demorar mais de um segundo a mudar de posição. O som estava mais alto do que o costume, como um martelar. Viu-se a comparar o batimento do coração com ele.
Estava vestida, sentada na beira da cama, pronta para sair, atrasada para as aulas de manhã. Não tinha vontade de sair dali. Os lençóis estavam quentes, como se alguém tivesse dormido ali para além dela. Olhava receosa para a porta da casa de banho. Na sua insanidade pura, sentia-se constrangida até para a ir fechar. As paredes, sendo as mesmas de há uma semana, tinham uma cor diferente. Nelas, não tinha fotografias nenhumas como no seu quarto em casa dos pais. No seu antigo quarto, onde deixara a antiga Elisa. Agora desejava ter apenas uma. Não das que costumava tirar – amigas em biquini em poses estapafúrdias, os namorados das amigas. Queria uma dele. Dele, nem sabia o seu nome.
Agora estava atrasada em excesso.
Agarrou na carteira, aprisionou-a nos dedos e atirou-a para detrás das costas. Enfiou-se no carro mas, em vez de guiá-lo para a faculdade, mudou instintivamente a rota e quando parou, estava diante do mar. Não fazia a mínima ideia que forças a tinham impelido para ali.
Encostou-se ao volante, abraçando-o e pousando o queixo na borracha, hoje não era dia de aula de francês, hoje não era dia de chorar, hoje era dia de olhar para o vazio. Antes não tinha o hábito de o fazer, chorava durante cinco minutos, depois estava de pé outra vez, a rir-se ou a dizer disparates, a entrar para um histerismo alternativo, a aproveitar a vida até ao último instante, até se cansar e se enfiar na cama.

Mas a antiga Elisa raramente se cansava. Era o sol do dia e da noite. Gastava as suas energias até ao limite, atirava-se de cabeça para conseguir o que queria, amava, jogava com a vida e nada receava.
Elisa morreu. Nunca soube como. Foi ao seu próprio enterro. O céu estava limpo, e ouviu uma das suas tias dizer,

- Ainda bem que não chove. A nossa Elisa era tudo menos a tristeza de um céu cinzento!

(...)

Os papéis rejeitados no chão, o palco imundo, as luzes apagadas e o silêncio. Elisa só aparecia no final dos concertos que antes frequentava. Ficava durante horas a ver os homens encarregados da limpeza a fazerem o seu trabalho. Olhava para o vazio. Embora muitos pudessem pensar que ela estava ali por algum motivo, Elisa sabia que isso não era verdade. Perdera todos os motivos. Elisa tinha, realmente, morrido para o mundo.

(...)

A casa da antiga Elisa. O antigo quarto de Elisa. Já nem conseguia dizer à sua irmã, tão parecida com ela quando andava nos seus dezassete anos, para abrandar o seu ritmo de vida, para não cometer os mesmos que ela cometera.
A mãe continuava a servir a comida às filhas como sempre fizera, como se tivessem sete anos. Cortava o bife de Elisa em pedaços, como sempre fizera, como se ela tivesse sete anos e não tivesse morrido.

Só depois percebeu que, se calhar, ainda não tinha sido enterrada. E não era a mãe que estava a mostrar-lhe isso.

(...)
Era uma vez um tótó.


Um tótó é aquele que dizemos ser tudo menos um tótó. Um tótó pode ter um nome qualquer, desde que estejamos apaixonadas por ele. Por vezes, reparamos que ele é um tótó e é nesses momentos que ficamos a saber que é, de facto, um tótó.
Um tótó não tem de ser aquele tipo de óculos muito, muito graduados, que só tem duas camisas lisas (e limpas), de pele mole e branca, que passa a vida a ler, um comum « marrão ».
- Um tótó pode ser tudo isto, mas para o ser realmente, terá de ser também provocador e arrogante, achar que é o máximo e andar com todas as raparigas do bairro. O verdadeiro tótó finge ser uma coisa que não é.
Um tótó corre atrás das comprometidas, por ter mais piada. Renega as que o querem, porque acha-se demasiado importante para se entregar a alguém. Um tótó acha que tem piada, e não a tem, são aquelas que gostam dele, as únicas que se riem das suas graças. Usa frases feitas para se afirmar. Faz coisas que nunca faríamos. É tão idiota, que por vezes ficamos com vergonha na rua de andar com alguém assim. Um tótó pode fazer-nos chorar mais vezes que o costume. Um tótó não é necessariamente qualquer homem por quem nos sentimos atraídas, mas é aquele que se cala e não sabe lidar com a situação, nem pelo bem, nem pelo mal. E continua a usar-nos, porque continuamos a ser demasiado tótós para ignorar um tótó.
Um tótó geralmente não sai de casa da mãe antes dos 20.
Um tótó diz, sou tão hetero que até visto t-shirts rosa



: 25 de Abril, 2007

Don’t call,
Don’t come by
Ain’t no use don’t ask me why
You’ll never change
There'll be no more crying in the rain
No, oh oh
I’m over it


« Over It » , Katharine McPhee
I don't do laundry
I don't do windows
I don't do carpets
I don't do bathtubs
I don't do toilets
And I don't do diapers
(...)
I don't do washing
I don't do basements
I don't do dinners
I don't do reading


in Mrs.Doubtfire



: Cátia. Inês.
: Stephane Lambiel

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade


Grândola, Vila Morena , Zeca Afonso
Watch me lose her
It's almost like losing myself
Give her my soul
and let them take somebody else get away from me



« Strawberry Gashes » , Jack Off Jill
: Carnaval, 2007

Eu fui ver a minha amada
lá prós lados de um jardim
dei-lhe uma rosa encarnada
para se lembrar de mim

Eu fui ver o meu benzinho
lá prós lados de um paçal
dei-lhe o meu lenço de linho
que é do mais fino bragal

Minha mãe quando eu morrer
ai chore por quem muito amargou
para então dizer ao mundo
ai Deus mo deu
ai Deus mo levou

Eu fui ver uma donzela
numa barquinha a dormir
dei-lhe uma colcha de seda
para nela se cobrir

Eu fui ver uma solteira

numa salinha a fiar
dei-lhe uma rosa vermelha
para de mim se encantar

Minha mãe quando eu morrer
ai chore por quem muito amargou
para então dizer ao mundo
ai Deus mo deu
ai Deus mo levou

Eu fui ver a minha amada
lá nos campos eu fui ver
dei-lhe uma rosa encarnada
para de mim se prender

Verdes prados verdes campos
onde está minha paixão
as andorinhas não param
umas voltam outras não

Minha mãe quando eu morrer
ai chore por quem muito amargou
para então dizer ao mundo
ai Deus mo deu
ai Deus mo levou


« Cantigas Do Maio » , Zeca Afonso
: Costa Nova, Aveiro

[.] Jorge Lucas


Jorge Lucas não entende nada de sudoku. Acha que é a invenção mais estúpida que alguma vez se fez. Costuma lembrar-se desse facto quando está no autocarro, a caminho do trabalho, a ouvir as neuróticas mulheres, amigas da sua mulher, Rosalinda


- Ó Sr.Jorge, como vai a Lindinha?
- Melhorou da gripe? Coitadinha da nossa Rosa!


na maior parte das vezes, não responde. Não por falta de educação, é claro! Jorge Lucas tem uma excelente educação. Sempre soube que não se devia brincar com os talheres, nem atirar com pedras à janela dos vizinhos do primeiro andar esquerdo, os Moreira, que punham a música muito alta à noite e que não percebiam nada de boas maneiras. A mãe de Jorge costumava berrar, com a colher de pau na mão (agitava-a enquanto falava),


- Essa gente acha-se fina, mas vivem do pão que o diabo amassou!


Jorginho ficava muito calado quando a mãezinha falava assim. Comia a sopa até ao fim e fazia os trabalhos da escola em cima da toalha azul de quadrados brancos. Ao contrário de agora, que resmunga sempre que a comida está salgada demais.
Não percebe nada de telemóveis. O Luisinho, de 6 anos, ainda vai tentando ensiná-lo a mexer nas teclas, e a escrever mensagens, sempre que vai a casa dos avós. Lusinho é o mestre da família


- Sai ao avô, o pirralho!,


costuma dizer Jorge Lucas. Chamavam-lhe o « engenhocas » quando era mais novo. Consertava torneiras, fios de cobre e colou o jarro preferido da tiazinha Maria Francisca.
Agora vive no Porto; por vezes, adormece no trajecto que tem de percorrer todos os dias, às sete e meia da manhã. Outras vezes, encosta a cabeça de cabelo grisalho na mão, de cotovelo apoiado sobre a borda da janela, e vê telenovelas que nunca viu, pela voz das nortenhas. À noite nem sempre tem sono e fica horas a ver Rosalinda dormir, ela de pele pouco menos enrugada que a sua, na camisola de dormir de seda.



Whoever appeals to the law against his fellow man is either a fool or a coward.
Whoever cannot take care of himself without that law is both.
For a wounded man shall say to his assailant,
"If I live, I WILL KILL YOU, If I Die, you are forgiven."
Such is the Rule of Honor.


« Omerta » , Lamb Of God
: Entre-Os-Rios

Use a metaphor and tell us that your lover is the sky


Love Anything.

Love Anything.

Love Anything.



« Things To Remember » , Peter Murphy
Hoje não sei se te amei de verdade,
Nem sei se me chegaste a amar também,
Mas lembro que me sentia tão bem
A teu lado que, por sentir saudade,

Já acho que foi um amor maior
Que cresceu em mim, sem sangue nem dor,
E me disse aquilo que eu não sabia:
Que o amor nao é mais que uma melodia
Tocada num piano a quatro mãos


de Paulo Brás
: Engenheiros, 2006
As pessoas não suspiram por pessoas.

(Joel)

: Aguda, Gaia



Ainda bem que a vida de toda a gente parece uma novela mexicana, se não elas não tinham fundamento.

(Raquel)
: Entre-Os-Rios
" Bridget estava tão satisfeita, tão realizada, que era difícil manter-se deitada no saco-cama. Ouviu-se a suspirar para o céu palpitante que se desdobrava por cima dela - Adoro isto."


Ann Brashares, in Sisterhood Of The Traveling Pants
: Tanith Belbin, Benjamin Agosto



















: Afife, Viana do Castelo
("Ao menos nao foi assim tão mau", pensa a Joana.
Sabes, suponho que elas se entendem assim. E que nenhuma sofre (digamos que o que domina raramente sofre, mas finjamos que isto agora nao interessa); mais: as duas sentem-se bem assim. Funcionem lá como funcionarem. Digam uma da outra lá o que disseram. Demorem todos os dias ao telefone as horas que demorarem. Apoiando-se e atacando-se lá como se apoiam e atacam. São as duas flores! Naturais e espontâneas. (Pelo menos a minha é.)

"Talvez me esteja a sofrer de uma nova doença.", a Joana pensa.)



Jolas, 07.02.2007
: Mina da Juliana, Alentejo


















: Paulo. Joana

7 miles from the sun [/.]


- Porque é que me seguiste?
- Porque precisava de falar contigo.
- Sabes que não gosto que o faças.
- Precisava falar contigo.
- Espero que não vás repetir aquilo que me estás sempre a dizer.
- O que é que eu estou sempre a dizer-te?
- Que me amas. Que me queres. Que não existe mais ninguém no mundo senão eu.
- E não acreditas nisso quando o digo?
- Acredito que estejas confusa.
- Mas não estou.
- Não tens idade para distinguir os teus sentimentos.
- Quem disse isso?
- Estou eu a dizer.
- E como é que ficaste a saber isso?
- Não sei. Já passei por essa fase.
- Que fase?
- A fase de nos entregarmos a tudo sem pensar.
- E é uma má fase?
- Não.
- Então porque ma negas?
- É errado.
- E o que é errado não sabe melhor que as coisas certas?
- Sim.
- Então não me afastes de ti.
- Não posso não o fazer.
- Porquê?
- Porque irias magoar-te.
- E porque é que isso havia de acontecer?
- Porque não tens consciencia dos teus actos.
- O que é a consciencia ao lado do enorme desejo que tenho por ti?
- Não tens idade para mim.
- E o que é a idade ao lado da paixão que tenho por ti?
- Não podemos fazer isto.
- É por eu não te agradar?
- Sabes bem que não.
- Então deixa-te ir.
- Não posso. Estou a tentar ser responsável.
- Posso impedir-te de o ser?
- Não.
- Posso chorar por não te conseguir impedir?
- Não quero que chores. Mas podes.
- Porque é que eu posso chorar e não posso querer-te?
- Não sei.
- Abraça-me.
- Não posso.
- Não?
- Não.
- Porque não?
- Porque ou sou racional, ou perco-me completamente.
- Então perde-te.
- Tenho de me ir embora.
- Não vás, por favor.
- Esquece-me, pelo teu bem.
- Isso é impossível...

- Isso é impossível !
: Qtª de Sanoane, Guimarães

É claro que ela o encontrou no último lugar onde procurou. Se não o tivesse encontrado, ainda agora estaria à procura.


(Susannah Brown)
You may NOT bite it.



Je sais
J'ai tort de retenir tout sous les draps
J'ai tort
J'ai tort de retenir
J'ai tort de pas venir
J'ai tort de retenir sous sparadrap
J'ai tort
J'ai tort de retenir
J'ai tort de dire, J'ai tort


« J'ai Tort » , Camille

[.] Simão Gonçalves

Simão Gonçalves faz bricolage nos tempos livres. Está a dois anos da reforma e já faz palavras cruzadas. Quando tinha sete anos, o pai deu-lhe a beber vinho tinto. Sempre quis ser explorador da Natureza – sonhava em pisar a erva seca das savanas e subir a montanhas como as dos Alpes. Nunca saiu da Península Ibérica. Sofre de frieiras no Inverno. No Verão vai pescar. Tem a pele cheia de sinais escuros, dura e calejada em alguns pontos, flácida e mole no pescoço.

Encontra-se com os melhores amigos em dias que o Sporting joga, o Jerónimo e o Edgar, na tasca. Bebe e não fuma. Tem aversão ao veludo e não come laranjas pela acidez que lhe provoca no estômago. Rosa, a prima em segundo grau de Julieta e mulher de Simão, sabe que ele só gosta do cozido à portuguesa feito por ela. Rosa fez todos os panos de croché da casa, e o seu preferido está em cima da mesa do telefone. Rosa pinta o cabelo de branco e tem os dentes amarelados.
Abandona-me,por favor. Abandona-me a chorar, abandona-me a rir, abandona-me quando te puxar pelo braço e suplicar para que fiques. Abandona-me a meio da noite, abandona-me a frio, sem escrúpulos nem moralidade. Abandona-me e despedaça-me o coração, abandona-me com rancor, altivez e alegria. Abandona-me numa dança, abandona-me na beira da estrada, abandona-me no deserto, numa praia, numa cidade. Abandona-me com ou sem dinheiro. Abandona-me com ou sem roupa. Abandona-me e deixa-me a falar sozinha. Abandona-me e, quando o fizeres, odeia-me, ama-me, deseja-me, tem nojo de mim, sacode-me, beija-me, abraça-me, faz o que te apetecer. Não faças nada, abandona-me simplesmente. Abandona-me com uma só condição: (e) não te arrependas de o teres feito.

And I say
Absolutely nothing
I'm absolutely fine
Absolutely nothing
You can say to change my mind
Absolutely nothing
I'm absolutely fine
Absolutely nothing
You can say to change my mind





« Absolutely Nothing » , Lily Allen












[.] Raimundo Quintas


Há três anos que Raimundo Quintas trabalha na livraria « Dinis », situada a duas casas da esquina. A livraria « Dinis » assemelha-se muito à vida de Raimundo, de tal forma que este sentiu-se melhor ali que em qualquer outro sítio onde já tivesse trabalhado. Velha e privada de sol (ao contrário da loja da esquina, bela e calorosa), assim se espelhava o ambiente nas faces pálidas do homem (em oposição à florista, de faces coradas e brilhantes).


Antes de arranjar o emprego como livreiro, Raimundo andara a empacotar tubos de pasta de dentes numa fábrica de dentífricos, recebendo abaixo do salário mínimo. Até ser despedido, não era feliz. O barulho das máquinas ensurdecia-o a cada segundo que ali passava. Conseguia ver os seus neurónios, um por um, a abrandar, a morrer, a sucumbir. À noite tinha zumbidos que nem a almofada conseguia abafar.


Agora Raimundo, na paz e na escuridão, sente-se reconfortado. Nos tempos livres colecciona rótulos de garrafas de água, a única que bebida que aprecia. Compra vários tipos de água e sabe distingui-las de olhos fechados. Nunca deixou de achar que a da marca « Caramulo » era a melhor de todas. Às terças, deita-se no sofá a ver televisão, com o som no mínimo. Todos os dias, lê livros de Georges Simenon e Lobsang Rampa. Antes de deixar o dia, fuma o seu cigarro habitual na pequena varanda de metal enferrujado da sala.


Raimundo amou uma vez, Isabel, ou Belinha, aos 16 anos. Belinha casou em França, soube ele por uma carta, e nunca mais a viu. Não tem família ou amigos próximos. Raimundo cresceu com a tia Julieta, a velha que mora nos subúrbios, e com o seu gato, Matias. Raimundo sempre gostou mais de Matias do que dela. Depois de Belinha, nunca mais se apaixonou ou se importou minimamente com o seu aspecto. Tem um pente de dentes partidos e olhos vidrados, cor de avelã. Adormece frequentemente em cima das almofadas tricotadas pela avó Amélia que nunca conheceu, tem um candeeiro e pó. Raimundo é daqueles que se afastou do mundo por opção. Nunca olha para ninguém nos olhos.




(Se Raimundo não fosse Raimundo, e Maria não fosse Maria, teriam tempo de partilharem as suas fobias e a sua consequente arte de viver.)




Apesar de parecer um vagabundo, Raimundo não é mais que homem de 33 anos que colecciona rótulos de garrafas de água…
Não escrever é estar morto.

(António Lobo Antunes)

[.] Maria Isabel


Vivia ela, no seu ninho dourado. Seguia as últimas modas, dava os últimos gritos, aparecia em tudo quanto era festas. Nunca usava o cabelo amarrado. Pintava as unhas de cor-de-rosa. Isabel, a Desejada, a Acarinhada, a Perfeita. Na verdade chamava-se Maria Isabel, mas ninguém, excepto o bisavô carrancudo, a tratava assim.

O seu quarto parecia um conto de fadas, em tons rosa e branco. Olhos azuis, quebradiços, cabelo escuro, escorrido, fútil. Mesquinha. Tinha um diário onde fazia a sua lista de « acontecimentos importantes ». Belinha era a estrela de tudo e de todos. Passeava-se com meias verdes de corações roxos no tornozelo. Exibia-se nas suas mini saias.

Casou cedo, abandonou com pouca tristeza o rapaz que a amava e voltou-se para um Senhor Doutor, dez anos mais velho que ela. Azar o seu, bela princesa um belo dia viu o marido enforcado nas traseiras. Intimidado pela crueldade das dívidas, Senhor-Perfeição suicidou-se.

Maria Isabel hoje tem os dedos tão tortos que nem consegue marcar os números no seu telefone forrado a prata…
: Ana

Why can't I sleep at night,
Don't say it's gonna be alright,
I wanna be able to eat spaghetti bolognaise,
and not feel bad about it for days and days and days.
In the magazines they talk about weight loss,
If I buy those jeans I can look like Kate Moss,
Oh no it's not the life I chose,
But I guess that's the way that things go



« Everything's Just Wonderful » , Lily Allen

YOU'LL WEAR THAT SHOES AND I'LL WEAR THAT DRESS


- Lembras-te daquele dia?
- Quem és?
- Fiz-te uma pergunta primeiro.
- Como hei-de saber o dia a que te referes se não te conheço?
- Responde-me. Depois podes perguntar-me o que quiseres.
- Mas não sei o que te responder.
- Era tudo tão bonito... as flores... lembras-te quais eram?
- Rosas?
- Margaridas. Eram lindas, brancas. Estavam por toda a parte... oh.
- Que tens?
- Lembrei-me da chuva. E da pergunta que me fizeste.
- Que pergunta?
- Eu disse que estava a chover. Tu disseste que não conseguias ouvir o barulho das gotas a cairem.
- E tu?
- Não te lembras?
- Não.
- Disse-te que as folhas não fazem barulho quando caem. Choviam, as folhas.
- Se caíam... não estávamos na Primavera? As margaridas?
- Era tudo tão belo. Lembras-te do meu guarda-sol?
- Era branco?
- Era vermelho. Vermelho doce. Compraste-me algodão doce também.
- Era de morango?
- Sim!
- Comprei-te mais alguma coisa?
- Compraste. Um gelado de chocolate. Enquanto dançavamos na rua, o algodão doce caiu. -
Oh, caiu?
- Sim. Eu chorei como uma criança, mas tu abraçaste-me.
- Abracei-te?
- Desta forma, queres ver?

(ela abraça o desconhecido)

- E depois disseste que me davas um gelado.
- De chocolate?
- Eu queria de baunilha. Mas não havia.
- Então dei-te um de chocolate.
- Sim.
- Era bom?
- Não melhor do que tu.
- Espera aí... eu nem te conheço !
- Estás a conhecer-me.
- Tu falas do nosso passado...
- Estou a construir o nosso passado para te conhecer melhor agora.
- Sabes que isso não faz sentido nenhum. Quantos anos tens? Quinze?
- Tem alguma importância?
- Tem sim.
- Tenho dezassete.
- Somos incompatíveis. Tenho vinte e cinco anos.
- Perfeito! Se juntares dois mais cinco dá 7. Junta-se dez anos e dá a minha idade. Em dez anos, vamos estar casados.
- Não podes estar a falar a sério!...
- Porque dizes isso? Porque me estou a rir? Estou-me sempre a rir !
- Vai para casa. É tarde... de certeza que andam à tua procura.
- De certeza que não andam.
- Como sabes?
- Nunca andam. Toma, quero que fiques com esta pulseira.
- Para quê?
- Para eu saber sempre quem és. Para saber que já estive a reviver o passado contigo.
- Se eu não tiver com a pulseira, não me vais reconhecer?
- Claro que não!
- ?
- Com tantos passados que já tive, como esperas que te reconheça?
- Fazes isto muitas vezes?
- Neste momento, só o faço contigo.
- És louca.
- Porquê?
- Não me conheces e falas de 'nós'... isso nunca aconteceu !...
- Está a acontecer.
- ...
- Beija-me.
- O quê?
- Beija-me.
- Como é que achas que vou fazer isso?
- Ora... não me digas que nunca beijaste ninguém!
- Claro que sim. Mas nunca beijei uma desconhecida.
- Lá vais tu... Já temos um passado, porque continuas a dizer que não nos conhecemos?
- Um passado que se resume a um jardim onde chovem folhas?...
- Não é lindo?
- Não te vou beijar.
- Vais sim.
- Pronto...

(o desconhecido beija-a na testa)

- Não, assim não!
- Não achas que estás a pedir demais? E se eu fosse um louco e te raptasse agora?
- Ohh.. seria uma bela aventura!
- Sem comentários...
- Vá, beija-me.
- Não!
- Ok. Tens toda a razão. Posso abraçar-te então?
- Não!

(ela abraça o desconhecido)

- Agora já posso dizer 'amo-te'.
- Diz lá então...
- Amo-te! Agora é a tua vez.
- Se eu disser, vais-te embora?
- Sim. Teria algum motivo para ficar?
- ! - Diz lá.
- Amo-te...
- Com convicção!
- Amo-te! Está bem assim?
- Sim!
- E agora? Vais-te embora?
- Vou. Obrigada!
- Espera... não queres saber o meu nome?...
- Tenho a pulseira. Se quiser encontrar-te, encontro-te. Mas não será necessário.
- Nunca mais nos vamos ver?
- Acho que não.
- Andas a treinar para ser actriz ou coisa parecida?
- Não.
- Então porque fazes isto às pessoas?
- Sabe tão bem!
- Espera, não me disseste quem és...
- Sou aquela que pinta o céu de cor-de-rosa e vê as estrelas durante o dia.
Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar e andar,
Depois de ficar e ir,
Hei-de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.



Fernando Pessoa.
« 'Camponesa' (há uma pizza assim, não há?)

Era para já te ter dito e não sei bem porquê tenho-me andado a esquecer: tens um riso viciante.(quero eu dizer que podia gravá-lo para uma cassete e ouvi-lo vezes sem conta, que é delicioso.)

Acho que não te vi em nenhum dia desta semana. humpf. Tem de haver mais conferências sobre homens gostosos, para eu me rir e tu me mandares controlar.

Beijinhos, que gosto de ti. »


Jolas, 15.12.2006



: Capela de StºAntónio, Afife


" Esforço-me e consigo chamar outra vez ante os meus olhos na alma,
Outra vez, mas através duma imaginação quase literária,
A fúria da pirataria, da chacina, o apetite, quase o paladar, do saque,
Da chacina inútil de mulheres e de crianças,
Da tortura fútil, e só para nos distrairmos, dos passageiros pobres
E a sensualidade de escangalhar e partir as coisas mais queridas dos outros,
Mas sonho isto tudo com um medo de qualquer coisa respirar-me sobre a nuca.
Lembro-me de que seria interessante
Enforcar os filhos à vista das mães
(Mas sinto-me sem querer as mães deles),
Enterrar vivas nas ilhas desertas as crianças de quatro anos
Levando os pais em barcos até lá para verem
(Mas estremeço, lembrando-me dum filho que não tenho e está dormindo tranquilo em casa). "



Álvaro de Campos ( 1ª publ. in Orpheu, nº2. Lisboa: Abr.-Jun. 1915. )
: Afife, Viana do Castelo

On t'appellera t'inquiète pas si ca nous plait ouais ouais
c'est caje dois pas sentir comme il faudrait
l'argent et le succés !


« Ça Me Vexe » , Mademoiselle K
[.] IN A SKY FULL OF PEOPLE

Maria tem agora 19 anos, não mudou de nome porque uma série de desconhecidos lhe disseram que era um nome bonito, tem um vestido vermelho, na maior parte das vezes não se ri e não se condena a instintos comuns. Vive num pequeno apartamento antigo à beira rio, à noite sai para a rua e escreve às escuras, de dia trabalha numa loja onde se tiram fotocópias. Raramente bebe café; a vida roubou-lhe o sono há muito. Continua a amar a única pessoa que realmente amou na vida. Tem um piano de madeira gasto encostado a uma das paredes amarelecidas da casa. Não tem fotografias nem molduras para as pôr e o seu melhor amigo é um velho que partilha o mesmo banco de jardim por volta das duas da manhã. Nunca lhe falou, mas conhece-o melhor do que ninguém. Ele também a conhece, melhor que ninguém. Sabe que o seu nome é Maria e também sabe que Maria em tempos chorou, mas hoje já não o faz. Conhece os seus três casacos, o azul claro e os dois castanhos. Conhece o seu cabelo, geralmente solto pelas costas, ondulado e fraco.


Maria não vive isolada da sociedade. Por vezes vai sair, com o seu vestido vermelho, e senta-se num canto. Não conhece músicas actuais. Gasta o seu dinheiro todo em cd’s dos anos 80 e em canções francesas e italianas. De vez em quando recorda-se de algumas pessoas que conheceu na sua vida passada. Não sofre por elas. Na verdade, Maria não sofre por nada. Aprendeu a viver feliz, em toda a sua solidão. Todo o seu coração é preenchido pelo seu próprio sorriso, com seu próprio bater. Maria aprendeu a chorar pelo sofrimento dos outros e, com isso, perdeu as razões para se martirizar. Maria está sentada no parapeito da sua janela, do alto do quarto andar, a escrevinhar no seu bloco de notas. Está a juntar dinheiro para partir para outro sítio. Todos os recantos já foram descritos, observados, apreciados.

: Mia Kirshner

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