One face among the many, I never thought you cared.

Hello, hello, hello, how low?


Os ponteiros do relógio moviam-se lentamente. Não tirava os olhos deles, principalmente no dos segundos, que parecia demorar mais de um segundo a mudar de posição. O som estava mais alto do que o costume, como um martelar. Viu-se a comparar o batimento do coração com ele.
Estava vestida, sentada na beira da cama, pronta para sair, atrasada para as aulas de manhã. Não tinha vontade de sair dali. Os lençóis estavam quentes, como se alguém tivesse dormido ali para além dela. Olhava receosa para a porta da casa de banho. Na sua insanidade pura, sentia-se constrangida até para a ir fechar. As paredes, sendo as mesmas de há uma semana, tinham uma cor diferente. Nelas, não tinha fotografias nenhumas como no seu quarto em casa dos pais. No seu antigo quarto, onde deixara a antiga Elisa. Agora desejava ter apenas uma. Não das que costumava tirar – amigas em biquini em poses estapafúrdias, os namorados das amigas. Queria uma dele. Dele, nem sabia o seu nome.
Agora estava atrasada em excesso.
Agarrou na carteira, aprisionou-a nos dedos e atirou-a para detrás das costas. Enfiou-se no carro mas, em vez de guiá-lo para a faculdade, mudou instintivamente a rota e quando parou, estava diante do mar. Não fazia a mínima ideia que forças a tinham impelido para ali.
Encostou-se ao volante, abraçando-o e pousando o queixo na borracha, hoje não era dia de aula de francês, hoje não era dia de chorar, hoje era dia de olhar para o vazio. Antes não tinha o hábito de o fazer, chorava durante cinco minutos, depois estava de pé outra vez, a rir-se ou a dizer disparates, a entrar para um histerismo alternativo, a aproveitar a vida até ao último instante, até se cansar e se enfiar na cama.

Mas a antiga Elisa raramente se cansava. Era o sol do dia e da noite. Gastava as suas energias até ao limite, atirava-se de cabeça para conseguir o que queria, amava, jogava com a vida e nada receava.
Elisa morreu. Nunca soube como. Foi ao seu próprio enterro. O céu estava limpo, e ouviu uma das suas tias dizer,

- Ainda bem que não chove. A nossa Elisa era tudo menos a tristeza de um céu cinzento!

(...)

Os papéis rejeitados no chão, o palco imundo, as luzes apagadas e o silêncio. Elisa só aparecia no final dos concertos que antes frequentava. Ficava durante horas a ver os homens encarregados da limpeza a fazerem o seu trabalho. Olhava para o vazio. Embora muitos pudessem pensar que ela estava ali por algum motivo, Elisa sabia que isso não era verdade. Perdera todos os motivos. Elisa tinha, realmente, morrido para o mundo.

(...)

A casa da antiga Elisa. O antigo quarto de Elisa. Já nem conseguia dizer à sua irmã, tão parecida com ela quando andava nos seus dezassete anos, para abrandar o seu ritmo de vida, para não cometer os mesmos que ela cometera.
A mãe continuava a servir a comida às filhas como sempre fizera, como se tivessem sete anos. Cortava o bife de Elisa em pedaços, como sempre fizera, como se ela tivesse sete anos e não tivesse morrido.

Só depois percebeu que, se calhar, ainda não tinha sido enterrada. E não era a mãe que estava a mostrar-lhe isso.

(...)

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