One face among the many, I never thought you cared.

Encaix(amos).


A colher raspava o fundo da taça monocordicamente, cortando o silêncio pontualmente. Ela e os seus cereais integrais, ele com torradas e doce. Apesar do som metálico, nunca se sentira tão confortável num silêncio tão profundo como aquele. As palavras nunca tinham sido suficientes para eles. Os gestos nunca tinham sido suficientes para eles. Sabia-se lá se o mundo era suficiente para eles. Mas aquele pequeno-almoço parecia representar toda a sua existência. A existência daquele amor e também a sua.

Era a partilha de um momento, aparentemente simples e informal, mas simultaneamente íntimo. A noite passada tinha trazido esperanças consigo, esperanças que Elisa temia tanto que quase queria que nada daquilo tivesse acontecido. Tinha trazido medos, e nada de segurança. Pensara mesmo em fugir do hotel, escapulir-se a meio da noite, enfiar-se num recanto qualquer e deixar a tempestade passar. Deixar que Luís a esquecesse para sempre, e não acreditava que isso algum dia fosse possível.
Fosse porque fosse, ficou na cama e só saiu de lá quando o sol nasceu, para ir até à varanda. Depois vestiu-se rapidamente, como uma adolescente que nada percebia da vida. Esperou por Luís na mesa cheia de pires, talheres miniatura e um cesto entulhado de pão variado. Trincou o de centeio, bebeu sumo de ananás natural, era a única pessoa na sala, mas isso não a incomodava, a solidão era uma velha amiga. Eventualmente ele apareceu, mas o medo tinha desaparecido. Após os primeiros segundos, era como se o tivesse conhecido toda a sua vida. Viu-o a barrar torradas com manteiga e a encher uma chávena de café. Disse-lhe
- Bom dia,
E perguntou-lhe como estava. Respondeu, sim, está tudo bem, e contigo? Estou bem, obrigada, e nada mais disseram um ao outro, mesmo depois de ela ter enchido a taça com os cereais. Apesar de comerem um pequeno-almoço diferente e de terem partilhado a mesma cama, juntos, aquilo fazia sentido. Talvez fosse esse o ponto final nos pesadelos de Elisa. O terror da incompatibilidade. O terror do abandono. O terror das consequências disso. Eles estavam na mesma linha, um não era mais que o outro; Luís não punha adoçante no café e Elisa não juntava açúcar ao seu leite. Separados, eram como vítimas da sociedade, afastadas dela para não se magoarem, para evitarem o sofrimento conhecido. Juntos, faziam sentido. Juntos, não andavam dispersos no mundo, tinham-se um ao outro para se agarrar. Juntos, caminhavam numa só direcção, procuravam a mesma coisa. Juntos, não partilhavam apenas um passado semelhante, mas também um futuro em linha recta. Sem torpedos e sem receios, anulavam-se um ao outro, equilibravam-se, criavam uma estabilidade que lhes era completamente desconhecida.


A partir daquele momento, Elisa entendeu que se podia viver 18 anos de felicidade falsa, ou então poder-se-ia viver um pequeno-almoço tão perfeito que não seria necessário mais um segundo para ver o mundo. O mundo estava ali. Bem na sua frente.

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