One face among the many, I never thought you cared.

[.] Jorge Lucas


Jorge Lucas não entende nada de sudoku. Acha que é a invenção mais estúpida que alguma vez se fez. Costuma lembrar-se desse facto quando está no autocarro, a caminho do trabalho, a ouvir as neuróticas mulheres, amigas da sua mulher, Rosalinda


- Ó Sr.Jorge, como vai a Lindinha?
- Melhorou da gripe? Coitadinha da nossa Rosa!


na maior parte das vezes, não responde. Não por falta de educação, é claro! Jorge Lucas tem uma excelente educação. Sempre soube que não se devia brincar com os talheres, nem atirar com pedras à janela dos vizinhos do primeiro andar esquerdo, os Moreira, que punham a música muito alta à noite e que não percebiam nada de boas maneiras. A mãe de Jorge costumava berrar, com a colher de pau na mão (agitava-a enquanto falava),


- Essa gente acha-se fina, mas vivem do pão que o diabo amassou!


Jorginho ficava muito calado quando a mãezinha falava assim. Comia a sopa até ao fim e fazia os trabalhos da escola em cima da toalha azul de quadrados brancos. Ao contrário de agora, que resmunga sempre que a comida está salgada demais.
Não percebe nada de telemóveis. O Luisinho, de 6 anos, ainda vai tentando ensiná-lo a mexer nas teclas, e a escrever mensagens, sempre que vai a casa dos avós. Lusinho é o mestre da família


- Sai ao avô, o pirralho!,


costuma dizer Jorge Lucas. Chamavam-lhe o « engenhocas » quando era mais novo. Consertava torneiras, fios de cobre e colou o jarro preferido da tiazinha Maria Francisca.
Agora vive no Porto; por vezes, adormece no trajecto que tem de percorrer todos os dias, às sete e meia da manhã. Outras vezes, encosta a cabeça de cabelo grisalho na mão, de cotovelo apoiado sobre a borda da janela, e vê telenovelas que nunca viu, pela voz das nortenhas. À noite nem sempre tem sono e fica horas a ver Rosalinda dormir, ela de pele pouco menos enrugada que a sua, na camisola de dormir de seda.



Sem comentários:

• in today's news

• arquivo