A velha mudou-se.
Cabelos Cinzentos.
One face among the many, I never thought you cared.
Magdalena,
(...)Escrevo-te porque perdi todos os escrúpulos. Ardem-me os lábios do sal da água do mar que bebi para colmatar ainda mais a minha loucura. Há três meses e oito dias que impeço as velas do teu quarto de se apagarem. Tenho medo de que, quando se forem, tu nunca mais voltes, e eu te passe a ver apenas em tiras de filme que se assemelham a recordações. Se ao menos tivesses saudades das violetas que crescem no canteiro da quarta janela da sala, o drama aqui dentro destas quatro paredes seria menor.
(...)A Juliana perguntou por ti outra vez no outro dia. Ahaha, disse-lhe que estavas a entrar para um avião da última vez que ligaste, mas que a conecção era tão má que nem tiveste tempo de lhe dizer duas ou três palavras. Desta vez não chorou. Costuma-me pedir, ao invés, para ler as cartas que nos escreves. Magdalena, como gostas de ser chamada, não posso continuar a mentir-lhe, entendes? Tens de regressar, antes que a vela apague sem eu dar por isso.
(...)Escrevo-te porque perdi todos os escrúpulos. Ardem-me os lábios do sal da água do mar que bebi para colmatar ainda mais a minha loucura. Há três meses e oito dias que impeço as velas do teu quarto de se apagarem. Tenho medo de que, quando se forem, tu nunca mais voltes, e eu te passe a ver apenas em tiras de filme que se assemelham a recordações. Se ao menos tivesses saudades das violetas que crescem no canteiro da quarta janela da sala, o drama aqui dentro destas quatro paredes seria menor.
(...)A Juliana perguntou por ti outra vez no outro dia. Ahaha, disse-lhe que estavas a entrar para um avião da última vez que ligaste, mas que a conecção era tão má que nem tiveste tempo de lhe dizer duas ou três palavras. Desta vez não chorou. Costuma-me pedir, ao invés, para ler as cartas que nos escreves. Magdalena, como gostas de ser chamada, não posso continuar a mentir-lhe, entendes? Tens de regressar, antes que a vela apague sem eu dar por isso.
Com amor, do teu único irmão.
(...)Com um brilhozinho nos olhos e a saia rodada, escancaraste a porta do bar. Trazias o cabelo aos ombros, passeando de cá para lá como as ondas do mar. Conheço tão bem esses olhos e nunca me enganam, o que é que aconteceu? Diz lá. É que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há. É que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há.
(...)Com um brilhozinho nos olhos, metemos o carro muito à frente, muito à frente dos bois, ou seja, fizemos promessas, trocamos retratos, trocamos projectos os dois, trocamos de roupa, trocamos de corpo, trocamos de beijos, tão bom, é tão bom. E com um brilhozinho nos olhos, tocamos guitarra, p'lo menos a julgar pelo som. E com um brilhozinho nos olhos, tocamos guitarra, p'lo menos a julgar pelo som.
(...)E que é que foi que ele disse? E que é que foi que ele disse?
- Hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco. Hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco: passa aí mais um bocadinho, que estou quase a ficar louco! Hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto. Portanto, hoje soube-me a pouco.
(...)Com um brilhozinho nos olhos, corremos os estores, pusemos a rádio no "on", acendemos a já costumeira velinha de igreja, pusemos no "off" o telefone e, olha, não dá p'ra contar mas sei que tu sabes daquilo que sabes que eu sei e, com um brilhozinho nos olhos, ficamos parados depois do que não te contei. E, com um brilhozinho nos olhos, ficamos paradosdepois do que não te contei.
(...)Com um brilhozinho nos olhos dissemos, sei lá, o que nos passou pela tola [o que nos caiu no goto], do estilo és o "number one" - dou-te vinte valores - és um treze no totobola [és o seis do meu totoloto] e às duas por três, bebemos um copo, fizemos o quatro e pintámos o sete e, com um brilhozinho nos olhos, ficamos imóveis a dar uma de "tête a tête". Com um brilhozinho nos olhos, ficamos imóveis a dar uma de "tête a tête".
(...)E que é que foi que ele disse? E que é que foi que ele disse?
- Hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco. Hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco: passa aí mais um bocadinho, que estou quase a ficar louco! Hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto. Portanto, hoje soube-me a pouco.
(...)E com um brilhozinho nos olhos, tentamos saber para lá do que muito se amou, quem éramos nós, quem queríamos ser e quais as esperanças que a vida roubou, e olhei-o de longe, e mirei-o de perto, que quem não vê caras, não vê corações. Com um brilhozinho nos olhos, guardei um amigo, que é coisa que vale milhões. Com um brilhozinho nos olhos, guardei um amigo, que é coisa que vale milhões.
(...)E que é que foi que ele disse? E que é que foi que ele disse?
- Hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco. Hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco, hoje soube-me a pouco: passa aí mais um bocadinho, que estou quase a ficar louco! Hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto, hoje soube-me a tanto. Portanto, hoje soube-me a pouco.
Morri 14 vezes depois de velho
Morri 14 vezes depois de velho. O amanhã segurava-me com correntes de aço e aguçava-me os sentidos com farpas de madeira de pinho. Largou-me na auto-estrada que faz o trajecto daqui ali. Quão triste isso é? Lembro-me de pensar que nunca envelheceria. Seria jovem para sempre, quer notasses que eu existia, quer não. Bom, afinal enganei-me. Já devia ter desconfiado, pois não costumo acertar nas minhas previsões. Ser traído por aqui e por ali é previsível. É muito prevísivel. Mas nisso não tinha pensado, não. Ou talvez tivesse pensado e não tivesse querido acreditar, tanto que acabei por esquecer que essa era a hipótese mais provável. Envelheci depois disso. Envelheci consideravelmente. Os meus amigos já nem me reconheciam, vê lá tu. E depois morri. Uma e outra vez, e não conseguia parar. Da primeira vez que morri (e ainda me recordo vagamente - afinal, foi a primeira vez e as primeiras vezes não se esquecem), foi com uma facada nas costas. Irónico? Penso que não. Da segunda, o frasco de arroz caiu da estante e partiu-se na minha cabeça. Terceira? Inclinei-me demasiado da varanda e despenhei-me de um quinto andar. Depois morri num acidente de carro (bastante vulgar, percebes), depois cortei os pulsos (sem querer) com os relatórios da semana passada, depois enevenada com as ervas do jardim da Clementina (pelo menos não foi com frutos, hahaha!), depois o meu irmão apontou uma espingarda que estava carregada e matou-me. Da oitava vez, atiraram-me de um precipício. Nunca cheguei a saber quem era o culpado. Da nona, bebi água do mar, enlouqueci, e suicidei-me num manicómio. Décima, hum, o avião onde ia despenhou-se (splash! no oceano índico). Décima primeira foi a mais engraçada: escorreguei no tapete da casa de banho e bati com a cabeça na banheira. Por volta da décima segunda, já estava cansada. Mas ainda morri mais três vezes. Nesta, fui decapitada. Na décima terceira, foi ao acender a lareira que a minha casa pegou fogo. Da última vez que morri, penso que estava numa piscina. Não consigo lembrar-me bem do fim, ou melhor, pelo menos sei que morri outra vez, mas não sei os detalhes todos.
Morri 14 vezes depois de velho. O amanhã segurava-me com correntes de aço e aguçava-me os sentidos com farpas de madeira de pinho. Largou-me na auto-estrada que faz o trajecto daqui ali. Quão triste isso é? Lembro-me de pensar que nunca envelheceria. Seria jovem para sempre, quer notasses que eu existia, quer não. Bom, afinal enganei-me. Já devia ter desconfiado, pois não costumo acertar nas minhas previsões. Ser traído por aqui e por ali é previsível. É muito prevísivel. Mas nisso não tinha pensado, não. Ou talvez tivesse pensado e não tivesse querido acreditar, tanto que acabei por esquecer que essa era a hipótese mais provável. Envelheci depois disso. Envelheci consideravelmente. Os meus amigos já nem me reconheciam, vê lá tu. E depois morri. Uma e outra vez, e não conseguia parar. Da primeira vez que morri (e ainda me recordo vagamente - afinal, foi a primeira vez e as primeiras vezes não se esquecem), foi com uma facada nas costas. Irónico? Penso que não. Da segunda, o frasco de arroz caiu da estante e partiu-se na minha cabeça. Terceira? Inclinei-me demasiado da varanda e despenhei-me de um quinto andar. Depois morri num acidente de carro (bastante vulgar, percebes), depois cortei os pulsos (sem querer) com os relatórios da semana passada, depois enevenada com as ervas do jardim da Clementina (pelo menos não foi com frutos, hahaha!), depois o meu irmão apontou uma espingarda que estava carregada e matou-me. Da oitava vez, atiraram-me de um precipício. Nunca cheguei a saber quem era o culpado. Da nona, bebi água do mar, enlouqueci, e suicidei-me num manicómio. Décima, hum, o avião onde ia despenhou-se (splash! no oceano índico). Décima primeira foi a mais engraçada: escorreguei no tapete da casa de banho e bati com a cabeça na banheira. Por volta da décima segunda, já estava cansada. Mas ainda morri mais três vezes. Nesta, fui decapitada. Na décima terceira, foi ao acender a lareira que a minha casa pegou fogo. Da última vez que morri, penso que estava numa piscina. Não consigo lembrar-me bem do fim, ou melhor, pelo menos sei que morri outra vez, mas não sei os detalhes todos.
Hoje sinto-me romântica (por razões óbvias)
Every Breath You Take - The Police
http://www.youtube.com/watch?v=jXq3hO82cTY
Only When I Sleep - The Corrs
http://www.youtube.com/watch?v=k6BU6Nb_vDM
All I Wanted - Michelle Branch
http://www.youtube.com/watch?v=cfefoMzV1gI
Torn - Natalie Imbruglia
http://www.youtube.com/watch?v=j6toyTNf-UM
At Last - Etta James
http://www.youtube.com/watch?v=LZXvLsltu2A
I Will Always Love You - Whitney Houston
http://www.youtube.com/watch?v=VUoEil40qZA
Be Be Your Love - Rachel Yamagata
http://www.youtube.com/watch?v=i35RTgP1GCo
Crush - Jennifer Paige
http://www.youtube.com/watch?v=Hj5S1RCUDvM
My Lover's Gone - Dido
http://www.youtube.com/watch?v=3Gj9flATCFY
Breathe In - Lucie Silvas
http://www.youtube.com/watch?v=mIARlew1keo
What You Made Of - Lucie Silvas
http://www.youtube.com/watch?v=pOx9cfVidgg
Kissing You - Des'ree
http://www.youtube.com/watch?v=1G0NHmGcY0M
Every Breath You Take - The Police
http://www.youtube.com/watch?v=jXq3hO82cTY
Only When I Sleep - The Corrs
http://www.youtube.com/watch?v=k6BU6Nb_vDM
All I Wanted - Michelle Branch
http://www.youtube.com/watch?v=cfefoMzV1gI
Torn - Natalie Imbruglia
http://www.youtube.com/watch?v=j6toyTNf-UM
At Last - Etta James
http://www.youtube.com/watch?v=LZXvLsltu2A
I Will Always Love You - Whitney Houston
http://www.youtube.com/watch?v=VUoEil40qZA
Be Be Your Love - Rachel Yamagata
http://www.youtube.com/watch?v=i35RTgP1GCo
Crush - Jennifer Paige
http://www.youtube.com/watch?v=Hj5S1RCUDvM
My Lover's Gone - Dido
http://www.youtube.com/watch?v=3Gj9flATCFY
Breathe In - Lucie Silvas
http://www.youtube.com/watch?v=mIARlew1keo
What You Made Of - Lucie Silvas
http://www.youtube.com/watch?v=pOx9cfVidgg
Kissing You - Des'ree
http://www.youtube.com/watch?v=1G0NHmGcY0M
Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...
Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente.
Mas não durmo.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...
Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente.
Mas não durmo.
Insónia, Álvaro de Campos
(...)A Praia das Maçãs de novo, a casa dos meus pais de novo. Todos os anos prometo a mim mesmo
- Foi o último
(...)e ignoro, sinceramente, o que me faz voltar. Saudades de quê? Nunca me senti especialmente feliz aqui, as pessoas das famílias com quem a minha família se dava não me interessam, estou a escrever um livro e passo os dias no quarto, à noite a neblina desbota para dentro de mim e entristece-me: o que me fará voltar? Os meus irmãos, de quem gosto muito, a luz, de quem gosto também, e não é isso, meu Deus, não é isso. A minha infância? O menino que deixei de ser tornou-se um antepassado e em certa medida uma criatura enigmática, distante, da qual sou filho ou neto, da qual conservo uns traços: o orgulho, a paciência, a solidão. O sorriso, talvez. Já em criança se me afigurava esquisito haver nascido dos meus pais: herdei pouca coisa deles, acho eu, qualidades, defeitos, parecenças físicas. A violenta insegurança do meu pai e a secura da minha mãe impacientavam-me: tive de me construir sozinho, não contra eles mas de costas para eles, e julgo que isso foi bom: tornou-me livre. Estou-lhes grato por não me terem dado nada a não ser a matéria de que me modelei. Pensando melhor acho que herdei a austeridade, o desprendimento. Não me é difícil ir embora, a qualquer momento, seja para onde for, sem necessitar de mala. O que preciso cabe, literalmente, nos bolsos das calças. Porque é que regresso à Praia das Maçãs então? Tive momentos duros por cá aos fins-de-semana, no Inverno, com a Zezinha e a Joana pequenas. Não vou falar nisso. Tive momentos bons, claro: namoradas, jogos de hóquei em patins, a alegria, difícil de exprimir, dos golos, o dia dos meus dezoito anos, dois meses antes da morte do meu avozinho, que trouxe a garrafa de vinho do Porto do avô dele, de Belém do Pará, com o nome no rótulo, Bernando António Antunes, guardada, com muito mais de um século
- Para bebermos quando fores maior
(...)e que afinal, para seu imenso desgosto, estava estragado. O de Belém do Pára, o avô visconde, como dizíamos todos, um minhoto que embarcaram para o Brasil em catraio, acabou rico no Amazonas, e o rei D. Luís deu-lhe um titulo: é o anel dele que trago no dedo: sou o herdeiro de nada, porque as fortunas da Amazónia pifaram com a borracha de Singapura. Suspeito que o rei D. Luís não deu o titulo: vendeu-o. Pobre avô visconde, do qual nem um retrato conheço. Conheço fotografias do meu avô, pequenino, em Belém. Do visconde nicles, salvo este anel, claro, e uma garrafa de vinho do Porto sem conserto. Tomámos um cálice heróico, entre caretas. Mas não é disso que se trata aqui, é da Praia das Maçãs e de mim. Se me perguntassem
- Gostas da Praia das Maçãs?
(...)hesitava. E no entanto, reparo, povoa nos meus livros. Como Nelas, vila tão amada, a que regresso sempre que posso. Se gosto da Praia das Maçãs? Não tenho nada em comum com as criaturas que aqui veraneiam, nem as cumprimento sequer
(- O António é tão malcriado)
(...) porque não as vejo e, se visse, não teria paciência, vejo os pinheiros, o mar
(para esses tenho paciência)
(...) os da terra que me conhecem desde sempre
(para esses tenho paciência)
(...) ando um bocado a pé, por aí, ao acaso, num intervalo do livro, passo pela casa da minha tia Bia como se ela não tivesse morrido, apetece-me entrar na sala, estarmos juntos, calados, diante da televisão apagada. Não a esqueci, tia, não a vou esquecer. Que mais? Na minha família não somos especialmente divertidos nem faladores, uma implacável discrição cobre o afecto, não se fazem perguntas pessoais, não se comenta a vida de ninguém. Engraçado, durmo na minha cama de adolescente, não durmo nem melhor nem pior do que em qualquer outra cama e, em geral, nunca me recordo dos sonhos. O que me fará voltar? Julgo que volto pelos meus irmãos. Por um certo melro no pinhal. Pelo cheiro das ondas. Pela tal criatura que sou filho ou neto e a quem, a esse sim, devo que o que sou. Para que o ar da praia lhe dê boas cores. Para reencontrar as suas aspirações confusas, a febre dos seus entusiasmos, as suas ingénuas incertezas. Lá está ele a contar as ondas, a medir versos com os dedos, poesias que julgava boas e não valiam um chavo. Depois percebia que não eram boas e recomeçava. Tinha uma fé em si mesmo que me confunde e, de certo modo, comove-me. Não de certo modo, comove-me de facto. Lembro-me dele pensar
- Nem que deixe a pele nisto hei-de conseguir
(...) e deixou a pele nisto: tornou-se eu. Valeu a pena? Lembro-me dele pensar
- Não escrever é estar morto
(...) e até na guerra, todos os dias, continuou a escrever. Julgo que volto, portanto, pelos meus irmãos, por ele e por mim. Não me escapou, foi deliberado: volto por mim também. Pelo homem que sou agora. Com a profunda humildade que o orgulho, que mencionei ao principio, inevitavelmente traz. Agora, que o meu pai já não está, vejo-o a ler sob uma copa. Vejo a minha mãe a ler. Oiço o melro. Ainda se tira a mesa de pingue-pongue da garagem. O Pedro acende um charuto. Os olhos azuis do Miguel, os mais azuis de nós todos. As nuvens de Sintra. Eu a pedalar na Tomadia. É curioso: custam-me ir embora. Decido que me aborreço e custa-me a ir embora. A correspondência mais curta que existe foi escrita entre Victor Hugo e os seus editores. Tinha mandado Os Miseráveis, os editores não lhe ligavam peva e Victor questionou-os, numa folha de papel:
?
(...)Tempos depois chegou a carta esperada. Dizia:
!
(...)E a correspondência acabou. De modo a que se me perguntassem
- Gostas da Praia das Maçãs?
(...) estava capaz de responder assim:
!
(...)Só que desconheço o som que corresponde a um ponto de exclamação. Qual será?
- Foi o último
(...)e ignoro, sinceramente, o que me faz voltar. Saudades de quê? Nunca me senti especialmente feliz aqui, as pessoas das famílias com quem a minha família se dava não me interessam, estou a escrever um livro e passo os dias no quarto, à noite a neblina desbota para dentro de mim e entristece-me: o que me fará voltar? Os meus irmãos, de quem gosto muito, a luz, de quem gosto também, e não é isso, meu Deus, não é isso. A minha infância? O menino que deixei de ser tornou-se um antepassado e em certa medida uma criatura enigmática, distante, da qual sou filho ou neto, da qual conservo uns traços: o orgulho, a paciência, a solidão. O sorriso, talvez. Já em criança se me afigurava esquisito haver nascido dos meus pais: herdei pouca coisa deles, acho eu, qualidades, defeitos, parecenças físicas. A violenta insegurança do meu pai e a secura da minha mãe impacientavam-me: tive de me construir sozinho, não contra eles mas de costas para eles, e julgo que isso foi bom: tornou-me livre. Estou-lhes grato por não me terem dado nada a não ser a matéria de que me modelei. Pensando melhor acho que herdei a austeridade, o desprendimento. Não me é difícil ir embora, a qualquer momento, seja para onde for, sem necessitar de mala. O que preciso cabe, literalmente, nos bolsos das calças. Porque é que regresso à Praia das Maçãs então? Tive momentos duros por cá aos fins-de-semana, no Inverno, com a Zezinha e a Joana pequenas. Não vou falar nisso. Tive momentos bons, claro: namoradas, jogos de hóquei em patins, a alegria, difícil de exprimir, dos golos, o dia dos meus dezoito anos, dois meses antes da morte do meu avozinho, que trouxe a garrafa de vinho do Porto do avô dele, de Belém do Pará, com o nome no rótulo, Bernando António Antunes, guardada, com muito mais de um século
- Para bebermos quando fores maior
(...)e que afinal, para seu imenso desgosto, estava estragado. O de Belém do Pára, o avô visconde, como dizíamos todos, um minhoto que embarcaram para o Brasil em catraio, acabou rico no Amazonas, e o rei D. Luís deu-lhe um titulo: é o anel dele que trago no dedo: sou o herdeiro de nada, porque as fortunas da Amazónia pifaram com a borracha de Singapura. Suspeito que o rei D. Luís não deu o titulo: vendeu-o. Pobre avô visconde, do qual nem um retrato conheço. Conheço fotografias do meu avô, pequenino, em Belém. Do visconde nicles, salvo este anel, claro, e uma garrafa de vinho do Porto sem conserto. Tomámos um cálice heróico, entre caretas. Mas não é disso que se trata aqui, é da Praia das Maçãs e de mim. Se me perguntassem
- Gostas da Praia das Maçãs?
(...)hesitava. E no entanto, reparo, povoa nos meus livros. Como Nelas, vila tão amada, a que regresso sempre que posso. Se gosto da Praia das Maçãs? Não tenho nada em comum com as criaturas que aqui veraneiam, nem as cumprimento sequer
(- O António é tão malcriado)
(...) porque não as vejo e, se visse, não teria paciência, vejo os pinheiros, o mar
(para esses tenho paciência)
(...) os da terra que me conhecem desde sempre
(para esses tenho paciência)
(...) ando um bocado a pé, por aí, ao acaso, num intervalo do livro, passo pela casa da minha tia Bia como se ela não tivesse morrido, apetece-me entrar na sala, estarmos juntos, calados, diante da televisão apagada. Não a esqueci, tia, não a vou esquecer. Que mais? Na minha família não somos especialmente divertidos nem faladores, uma implacável discrição cobre o afecto, não se fazem perguntas pessoais, não se comenta a vida de ninguém. Engraçado, durmo na minha cama de adolescente, não durmo nem melhor nem pior do que em qualquer outra cama e, em geral, nunca me recordo dos sonhos. O que me fará voltar? Julgo que volto pelos meus irmãos. Por um certo melro no pinhal. Pelo cheiro das ondas. Pela tal criatura que sou filho ou neto e a quem, a esse sim, devo que o que sou. Para que o ar da praia lhe dê boas cores. Para reencontrar as suas aspirações confusas, a febre dos seus entusiasmos, as suas ingénuas incertezas. Lá está ele a contar as ondas, a medir versos com os dedos, poesias que julgava boas e não valiam um chavo. Depois percebia que não eram boas e recomeçava. Tinha uma fé em si mesmo que me confunde e, de certo modo, comove-me. Não de certo modo, comove-me de facto. Lembro-me dele pensar
- Nem que deixe a pele nisto hei-de conseguir
(...) e deixou a pele nisto: tornou-se eu. Valeu a pena? Lembro-me dele pensar
- Não escrever é estar morto
(...) e até na guerra, todos os dias, continuou a escrever. Julgo que volto, portanto, pelos meus irmãos, por ele e por mim. Não me escapou, foi deliberado: volto por mim também. Pelo homem que sou agora. Com a profunda humildade que o orgulho, que mencionei ao principio, inevitavelmente traz. Agora, que o meu pai já não está, vejo-o a ler sob uma copa. Vejo a minha mãe a ler. Oiço o melro. Ainda se tira a mesa de pingue-pongue da garagem. O Pedro acende um charuto. Os olhos azuis do Miguel, os mais azuis de nós todos. As nuvens de Sintra. Eu a pedalar na Tomadia. É curioso: custam-me ir embora. Decido que me aborreço e custa-me a ir embora. A correspondência mais curta que existe foi escrita entre Victor Hugo e os seus editores. Tinha mandado Os Miseráveis, os editores não lhe ligavam peva e Victor questionou-os, numa folha de papel:
?
(...)Tempos depois chegou a carta esperada. Dizia:
!
(...)E a correspondência acabou. De modo a que se me perguntassem
- Gostas da Praia das Maçãs?
(...) estava capaz de responder assim:
!
(...)Só que desconheço o som que corresponde a um ponto de exclamação. Qual será?
« ! » ,Terceiro Livro de Crónicas, António Lobo Antunes
You're breaking all my rulles.
Não adianta mais, apaixonei-me por ti, pura e simplesmente. Tu tens 200 sorrisos e eu amo-os todos. Is it in your smile? Deve estar, sim. Ou talvez esteja na quantidade de pecinhas de lego de que és feito. Mas és inquebrável, disso tenho a certeza. São todas coloridas, e algumas são curvadas. Beijo-as com imenso carinho, prezo-as com o maior amor, porque todas elas são um pedacinho de ti, todas elas representam-te. Juro que já não consigo ouvir mais músicas românticas, porque já nem elas conseguem dizer aquilo que sinto por ti. Enfim, estou mesmo apaixonada por ti. Que posso acrescentar a isso? Que te amo? Sim, isso também, está implícito, mas posso repetir, "amo-te".
Não adianta mais, apaixonei-me por ti, pura e simplesmente. Tu tens 200 sorrisos e eu amo-os todos. Is it in your smile? Deve estar, sim. Ou talvez esteja na quantidade de pecinhas de lego de que és feito. Mas és inquebrável, disso tenho a certeza. São todas coloridas, e algumas são curvadas. Beijo-as com imenso carinho, prezo-as com o maior amor, porque todas elas são um pedacinho de ti, todas elas representam-te. Juro que já não consigo ouvir mais músicas românticas, porque já nem elas conseguem dizer aquilo que sinto por ti. Enfim, estou mesmo apaixonada por ti. Que posso acrescentar a isso? Que te amo? Sim, isso também, está implícito, mas posso repetir, "amo-te".
I just want to be with you. Tonight. Tonight. Tonight.
When? Now!
When? Now!
But you will do so they can go to hell
- Queres ficar cá hoje?
Não pensou duas vezes – Quero.
Muito depois de ter deixado o hospital, ainda não tinha parado de chorar. Uma vez que começara, era difícil travar as emoções que transbordavam a cada lembrança que lhe passava pela cabeça. Todos os pensamentos lhe pareciam como agulhas espetadas que se enfiavam directamente no seu coração, de tal forma que teve de evitar relembrar o que vira, ouvira e dissera.
Pensou em ir para casa, a sua casa mesmo, onde vivera toda a sua vida, mas acabou por desistir por julgar-se demasiado fraca. De modo a que prosseguiu o seu caminho a pé, enquanto o céu ameaçava desfazer-se em cima dela. As linhas do passeio de cimento torciam-se diante dos seus olhos e passado um tempo, grossas gotas de chuva caíram-lhe no cabelo. Arrastou-se para debaixo de um toldo que pertencia a uma esplanada e sentou-se numa das cadeiras de plástico verde-escuro. Limpou a cara com as costas da mão. Hoje não tinha mais forças para nada.
O café era como qualquer outro. As pessoas, ainda que nunca as tivesse visto, eram todas iguais. Os carros, a rua encharcada, as plantas, as nuvens, o lixo, tudo era igual a ontem, nada mudara. Até ela era se mantinha constante. A partir de um determinado momento, a vida dela tinha parado. E como Elisa vivia no mundo, ele também parara com ela.
Encostou as palmas das mãos ao nariz, e conseguiu inspirar a essência da professora nelas. Parecia que pelo menos alguma coisa tinha permanecido depois daquele encontro tão irreal.
- Podes vir aqui ter?
- Agora?
- Sim.
Desligou a chamada.
Um quarto de hora depois, Luís estava na sua frente, apenas separados pela chávena vazia que Elisa deixara em cima da mesa. Tinha o cabelo e a camisa de quadrados tão molhados que sentiu-se imediatamente arrependida de ter pedido para ele vir. Luís não dissera nada. Limitava-se a fitá-la, como ambos tinham aprendido a comunicar. A suavidade com que o fazia arrepiava-a, ainda que já começasse a ficar habituada a todo aquele ritual. Elisa correspondia do mesmo modo. Sabia que teria de ser ela a falar primeiro, mas não se sentia preparada para o fazer naquele momento.
- Queres ir embora? – perguntou-lhe Luís, mantendo a expressão de doçura.
Elisa acenou afirmativamente. Não andaram de mão dada nem nada que se parecesse. Sem pensar, conduziu-o para a casa dele. Não estava a pensar coerentemente nas implicações de tudo aquilo, mas deixara de se importar. A sua relação com Luís era tudo menos comum. Não tinha necessariamente de significar alguma coisa.
Roboticamente, Luís abriu a porta e subiram os dois os três lanços de escadas até ao terceiro andar, porque ali não havia elevador, como Elisa já tinha reparado anteriormente, quando fora a primeira vez a casa dele. Deixou que ela entrasse primeiro, como um cavalheiro. Elisa continuava fora de si. Sentou-se no sofá onde tinham estado antes. Luís sentou-se a seu lado e pegou-lhe na mão, uns minutos depois, quando as lágrimas de Elisa voltaram a correr. Correspondeu ao seu aperto, porque embora fosse um sentimento completamente independente do que estivera a sentir naquela cama de hospital há cerca de duas horas, era de igual modo intenso e reconfortante. Mais uns minutos se seguiram, e já estava encostada no seu ombro, não tentando evitar o choro compulsivo.
Luís não suportava vê-la assim. Agarrou bruscamente no corpo dela e abraçou-o imensamente. E assim os soluços de Elisa diminuíram de volume, apercebendo-se daquele gesto. Ela não estava a enterrar ninguém. Não podia ficar assim. Acreditava que as forças poderiam ser transmitidas pelo poder da mente, e o que ela mais precisava neste momento era, de facto, de forças. Tentou, por outro lado, aproveitar as energias que Luís lhe entregava tão amavelmente, para depois oferecê-las a Margarida.
As horas prolongavam-se, a tarde fez-se em noite, e toda a casa estava mergulhada numa escuridão profunda. Nenhum dos dois tinha-se dado ao trabalho de acender um candeeiro. Os estores beges das duas janelas poeirentas da sala agitavam-se com o vento, emitindo ruídos cantantes enquanto batiam contra a janela. Uma corrente de ar entrava pela porta principal, uivando continuamente. À parte disso, tudo era silêncio. Ocasionalmente, Luís tornava a encostá-la contra si. Elisa ouvia a tempestade lá fora, e acalmava a que estava dentro de si. Apreciava todos aqueles bocadinhos de amor que ele lhe proporcionava. Não tinha bem a certeza se aquilo era sequer amor. Nunca se tinha sentido assim antes.
Pensou em ir para casa, a sua casa mesmo, onde vivera toda a sua vida, mas acabou por desistir por julgar-se demasiado fraca. De modo a que prosseguiu o seu caminho a pé, enquanto o céu ameaçava desfazer-se em cima dela. As linhas do passeio de cimento torciam-se diante dos seus olhos e passado um tempo, grossas gotas de chuva caíram-lhe no cabelo. Arrastou-se para debaixo de um toldo que pertencia a uma esplanada e sentou-se numa das cadeiras de plástico verde-escuro. Limpou a cara com as costas da mão. Hoje não tinha mais forças para nada.
O café era como qualquer outro. As pessoas, ainda que nunca as tivesse visto, eram todas iguais. Os carros, a rua encharcada, as plantas, as nuvens, o lixo, tudo era igual a ontem, nada mudara. Até ela era se mantinha constante. A partir de um determinado momento, a vida dela tinha parado. E como Elisa vivia no mundo, ele também parara com ela.
Encostou as palmas das mãos ao nariz, e conseguiu inspirar a essência da professora nelas. Parecia que pelo menos alguma coisa tinha permanecido depois daquele encontro tão irreal.
- Podes vir aqui ter?
- Agora?
- Sim.
Desligou a chamada.
Um quarto de hora depois, Luís estava na sua frente, apenas separados pela chávena vazia que Elisa deixara em cima da mesa. Tinha o cabelo e a camisa de quadrados tão molhados que sentiu-se imediatamente arrependida de ter pedido para ele vir. Luís não dissera nada. Limitava-se a fitá-la, como ambos tinham aprendido a comunicar. A suavidade com que o fazia arrepiava-a, ainda que já começasse a ficar habituada a todo aquele ritual. Elisa correspondia do mesmo modo. Sabia que teria de ser ela a falar primeiro, mas não se sentia preparada para o fazer naquele momento.
- Queres ir embora? – perguntou-lhe Luís, mantendo a expressão de doçura.
Elisa acenou afirmativamente. Não andaram de mão dada nem nada que se parecesse. Sem pensar, conduziu-o para a casa dele. Não estava a pensar coerentemente nas implicações de tudo aquilo, mas deixara de se importar. A sua relação com Luís era tudo menos comum. Não tinha necessariamente de significar alguma coisa.
Roboticamente, Luís abriu a porta e subiram os dois os três lanços de escadas até ao terceiro andar, porque ali não havia elevador, como Elisa já tinha reparado anteriormente, quando fora a primeira vez a casa dele. Deixou que ela entrasse primeiro, como um cavalheiro. Elisa continuava fora de si. Sentou-se no sofá onde tinham estado antes. Luís sentou-se a seu lado e pegou-lhe na mão, uns minutos depois, quando as lágrimas de Elisa voltaram a correr. Correspondeu ao seu aperto, porque embora fosse um sentimento completamente independente do que estivera a sentir naquela cama de hospital há cerca de duas horas, era de igual modo intenso e reconfortante. Mais uns minutos se seguiram, e já estava encostada no seu ombro, não tentando evitar o choro compulsivo.
Luís não suportava vê-la assim. Agarrou bruscamente no corpo dela e abraçou-o imensamente. E assim os soluços de Elisa diminuíram de volume, apercebendo-se daquele gesto. Ela não estava a enterrar ninguém. Não podia ficar assim. Acreditava que as forças poderiam ser transmitidas pelo poder da mente, e o que ela mais precisava neste momento era, de facto, de forças. Tentou, por outro lado, aproveitar as energias que Luís lhe entregava tão amavelmente, para depois oferecê-las a Margarida.
As horas prolongavam-se, a tarde fez-se em noite, e toda a casa estava mergulhada numa escuridão profunda. Nenhum dos dois tinha-se dado ao trabalho de acender um candeeiro. Os estores beges das duas janelas poeirentas da sala agitavam-se com o vento, emitindo ruídos cantantes enquanto batiam contra a janela. Uma corrente de ar entrava pela porta principal, uivando continuamente. À parte disso, tudo era silêncio. Ocasionalmente, Luís tornava a encostá-la contra si. Elisa ouvia a tempestade lá fora, e acalmava a que estava dentro de si. Apreciava todos aqueles bocadinhos de amor que ele lhe proporcionava. Não tinha bem a certeza se aquilo era sequer amor. Nunca se tinha sentido assim antes.
- Queres ficar cá hoje?
Não pensou duas vezes – Quero.
Dog new tricks
Podemos continuar amanhã? [...]
Tenho sonho (outra vez) e tenho de dormir. Ainda me sinto um bocadinho roxa. E por isso continuo a roxo. Não que tenha muito a continuar. Vou fechar as persianas. Odiar-te é sempre um divertimento, não penses que depois de tudo, deixará de ser. Poderei ser benevolente, mas desportos preferidos são desportos preferidos. [These are the rulles I make. are you only trying to drop me?] [Don't ask me why. Don't even try.]
Podemos continuar amanhã? [...]
Donde estás, donde estás, Yolanda?
O Garcia faz falta. Não, não enlouqueci (embora quisesse que assim fosse). Quero os abracinhos do Paulinho de manhã. Quero os gritos da Srª Bolinhas nos meus ouvidos. Quero o João a chamar-me de Yolanda pelos corredores (corredores? existem corredores no Garcia?). Quero falar de derivados do leite com a Teresa. Quero oferecer uma garrafa de água mal cheia à Mafalda. Quero que o Pedro me cante Gunther ao ouvido, com aqueles óculos de sol que nele ficam medonhos. Quero gozar com a professora de fisico-quimica e com a sua pastinha. Quero andar aos pulinhos de mão dada com a Rã. Quero ouvi-la a imitar a professora de biologia nos balneários. Quero ouvir a Joaninha a cantar nos balneários e a queixar-se que lhe comeram as bolachas. Quero jogar badmington lá fora com vento. Quero ver os rapazes nas interturmas. Quero fugir das aulas. Quero ir à reprografia falar com a menina. Quero dizer REPROGRAFIA como diz a professora de área de projecto. Quero falar de Nelsões com o Diogo. Quero chamar à Diana de Ana e à Ana de Diana. Quero chamar a professora de português do 12ºJ de MURCHA na cara dela. Quero gozar com a Jolas, que está sempre a fazer chichi. Quero dar muitos beijinhos à Joanosa. Quero falar de panados (e escrever PANADOS) com a Joana. Quero ouvir a outra Teresa a dizer « Não percebi nada ». Quero estar com a Margarida Cunha, nas suas aulas, nos intervalos, no café, seja lá o que for. Quero ter aulas de português novamente. Quero ser rebelde com a Rita. Quero ouvir a Celeste afónica. [...]
[Cheira-me que me esqueci de alguém. É bastante provável.]
O Garcia faz falta. Não, não enlouqueci (embora quisesse que assim fosse). Quero os abracinhos do Paulinho de manhã. Quero os gritos da Srª Bolinhas nos meus ouvidos. Quero o João a chamar-me de Yolanda pelos corredores (corredores? existem corredores no Garcia?). Quero falar de derivados do leite com a Teresa. Quero oferecer uma garrafa de água mal cheia à Mafalda. Quero que o Pedro me cante Gunther ao ouvido, com aqueles óculos de sol que nele ficam medonhos. Quero gozar com a professora de fisico-quimica e com a sua pastinha. Quero andar aos pulinhos de mão dada com a Rã. Quero ouvi-la a imitar a professora de biologia nos balneários. Quero ouvir a Joaninha a cantar nos balneários e a queixar-se que lhe comeram as bolachas. Quero jogar badmington lá fora com vento. Quero ver os rapazes nas interturmas. Quero fugir das aulas. Quero ir à reprografia falar com a menina. Quero dizer REPROGRAFIA como diz a professora de área de projecto. Quero falar de Nelsões com o Diogo. Quero chamar à Diana de Ana e à Ana de Diana. Quero chamar a professora de português do 12ºJ de MURCHA na cara dela. Quero gozar com a Jolas, que está sempre a fazer chichi. Quero dar muitos beijinhos à Joanosa. Quero falar de panados (e escrever PANADOS) com a Joana. Quero ouvir a outra Teresa a dizer « Não percebi nada ». Quero estar com a Margarida Cunha, nas suas aulas, nos intervalos, no café, seja lá o que for. Quero ter aulas de português novamente. Quero ser rebelde com a Rita. Quero ouvir a Celeste afónica. [...]
[Cheira-me que me esqueci de alguém. É bastante provável.]
Conheço-te macroscopicamente
Pudesse eu ser louca. Faço-me de má, e aí talvez seja louca. Ou bastante consciente, nem sei. Well, queria ser insana, ainda assim. Os insanos não sabem o que fazem, e eu sei, e continuo a fazer tudo e mais alguma coisa. Depois chamam-me louca e eu não sei. Ou será que também existem loucos conscientes? Serei louca e consciente? Ou será que a consciência se decompôs em loucura?
Desejava ser massa vezes capacidade térmica mássica vezes variação de temperatura. Desejava ser exactamente isso, Q
Preciso de dormir. Não dormi nada e não vou conseguir fazê-lo, ainda que peça aos anjinhos todos que me dêem essa capacidade [térmica mássica]. Digo disparates. Falta de coerência. Continua a ser um universo barato.
Pudesse eu ser louca. Faço-me de má, e aí talvez seja louca. Ou bastante consciente, nem sei. Well, queria ser insana, ainda assim. Os insanos não sabem o que fazem, e eu sei, e continuo a fazer tudo e mais alguma coisa. Depois chamam-me louca e eu não sei. Ou será que também existem loucos conscientes? Serei louca e consciente? Ou será que a consciência se decompôs em loucura?
Desejava ser massa vezes capacidade térmica mássica vezes variação de temperatura. Desejava ser exactamente isso, Q
Preciso de dormir. Não dormi nada e não vou conseguir fazê-lo, ainda que peça aos anjinhos todos que me dêem essa capacidade [térmica mássica]. Digo disparates. Falta de coerência. Continua a ser um universo barato.
[...]
linhas, feições, curvas, conheço-as todas. todas. falta-me a lamela para te observar de perto [microscopicamente]
MAKE YOUR OWN FLAG (tum.tum.tum.)
[fuck, fuck, fuck. *screams*]
Declare independence!
[...] Don't let them do that to you!
And raise your flag! - Higher, higher!
[fuck, fuck, fuck. *screams*]
Damn colonists!
Ignore their patronizing
Tear off their blindfolds
Open their eyes!
Declare independence!
[...] Don't let them do that to you!
* With a flag and a trumpet
[shouts]
GO TO THE TOP OF THE HIGHEST MOUNTAIN
And raise your flag! - Higher, higher!
[J.U.S.T.I.C.E]
A stroke of luck.
Hanging by threads of palest silver. I could have stayed that way forever. Bad blood and ghosts wrapped tight around me. Nothing could ever seem to touch me. I lose what I love most. Did you know I was lost until you found me? A stroke of luck or a gift from God? The hand of fate or devil's claws? From below or saints above? You came to me. Here comes the cold again. I feel it closing in. It's falling down and all around me falling. You say that you'll be there to catch me. Or will you only try to trap me. These are the rules I make. Our chains were meant to break. You'll never change me. Here comes the cold again. I feel it closing in. You're falling down and all around me falling. Stroke of luck or a gift from God? Hand of fate or devil's claws? From below or saints above? You come to me now. Don't ask me why. Don't even try. A stroke of luck or a gift from God? The hand of fate or devil's claws? From below or saints above? You came to me Here comes the cold again. I feel it closing in. It's falling down and all around me falling.
Falling, falling. Falling, falling. Falling, falling.
The wax is drippin', I like it between my... fingers
[30 minuts]
Hum, não me apetece ficar aqui. Vamos para outro sítio mais calmo, bem mais calmo, para eu não ter de ouvir a estática nos meus ouvidos. É irritante e desequilibra-me. Podes conduzir-me para onde quiseres, juro não reclamar, juro não hesitar, hoje sou uma pessoa diferente, podes voltar a querer-me. Podes levar-me até junto do piano, podes tocar para mim, eu fecho os olhos, vá para onde vá, eu fecho os olhos para teres a certeza que confio em ti, e que sei que não irás desaparecer como...
Continua, eu ouço os teus passos no corredor, neste incrível silêncio inconsciente, neste hotel escuro, motel deve ser, tu estás a chegar e eu amo-te como sempre, espero por ti no 459 - não te demores, tenho frio e preciso de ti. Aqui. Eu amo-te já te disse? Amo-te. Ouço o arranhar habitual na porta, não é o gato gordo do andar debaixo, és tu a brincar comigo, a fingir que tens unhas, a dizer-me que vais entrar e que eu já devia estar pronta. Estou pronta, podes vir, bato com a mão no colchão e uma nuvem de pó levanta-se, Este quarto tem muito pó, deviamos reclamar, grito eu, e tu entras, não sem antes dizer, Queres que chame a empregada para limpar antes de eu entrar?, Não, não tenho nada vestido, e tu ris-te e abres a porta de uma vez por todas e deslizas para o meu lado, abraço-te perversamente, já não é apenas um abraço, os gritos misturam-se no ar, os meus principalmente, mais agudos, e eu amo-te, já te disse?
Podíamos ir até ali, à drogaria comprar uma vassoura e um pano do pó para limpar aquele quarto, já que passamos tantos dias lá metidos, não precisamos de morrer sufocados em lixo, se bem que morrer sufocada em lixo contigo não me parece assim tão mau como deveria parecer. Talvez um daqueles ambientadores refrescantes que me dão dores de cabeça e que tu adoras, para ligares até eu berrar contigo quando começar a sentir o cheiro - e ficar com dores de cabeça - e depois tu beijas-me, e dizes para eu não me chatear, que não voltas a fazer o mesmo, e na hora a seguir repetes o procedimento, e eu não me importo, gosto que me peças desculpa, gosto que me conquistes, gosto que me beijes dessa maneira.
Por isso, hoje, leva-me outra vez para o nosso quarto como temos feito até agora, que eu já sinto saudades outra vez.
Amo-te.
[30 minuts]
Hum, não me apetece ficar aqui. Vamos para outro sítio mais calmo, bem mais calmo, para eu não ter de ouvir a estática nos meus ouvidos. É irritante e desequilibra-me. Podes conduzir-me para onde quiseres, juro não reclamar, juro não hesitar, hoje sou uma pessoa diferente, podes voltar a querer-me. Podes levar-me até junto do piano, podes tocar para mim, eu fecho os olhos, vá para onde vá, eu fecho os olhos para teres a certeza que confio em ti, e que sei que não irás desaparecer como...
Continua, eu ouço os teus passos no corredor, neste incrível silêncio inconsciente, neste hotel escuro, motel deve ser, tu estás a chegar e eu amo-te como sempre, espero por ti no 459 - não te demores, tenho frio e preciso de ti. Aqui. Eu amo-te já te disse? Amo-te. Ouço o arranhar habitual na porta, não é o gato gordo do andar debaixo, és tu a brincar comigo, a fingir que tens unhas, a dizer-me que vais entrar e que eu já devia estar pronta. Estou pronta, podes vir, bato com a mão no colchão e uma nuvem de pó levanta-se, Este quarto tem muito pó, deviamos reclamar, grito eu, e tu entras, não sem antes dizer, Queres que chame a empregada para limpar antes de eu entrar?, Não, não tenho nada vestido, e tu ris-te e abres a porta de uma vez por todas e deslizas para o meu lado, abraço-te perversamente, já não é apenas um abraço, os gritos misturam-se no ar, os meus principalmente, mais agudos, e eu amo-te, já te disse?
Podíamos ir até ali, à drogaria comprar uma vassoura e um pano do pó para limpar aquele quarto, já que passamos tantos dias lá metidos, não precisamos de morrer sufocados em lixo, se bem que morrer sufocada em lixo contigo não me parece assim tão mau como deveria parecer. Talvez um daqueles ambientadores refrescantes que me dão dores de cabeça e que tu adoras, para ligares até eu berrar contigo quando começar a sentir o cheiro - e ficar com dores de cabeça - e depois tu beijas-me, e dizes para eu não me chatear, que não voltas a fazer o mesmo, e na hora a seguir repetes o procedimento, e eu não me importo, gosto que me peças desculpa, gosto que me conquistes, gosto que me beijes dessa maneira.
Por isso, hoje, leva-me outra vez para o nosso quarto como temos feito até agora, que eu já sinto saudades outra vez.
Amo-te.
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