Muito depois de ter deixado o hospital, ainda não tinha parado de chorar. Uma vez que começara, era difícil travar as emoções que transbordavam a cada lembrança que lhe passava pela cabeça. Todos os pensamentos lhe pareciam como agulhas espetadas que se enfiavam directamente no seu coração, de tal forma que teve de evitar relembrar o que vira, ouvira e dissera.
Pensou em ir para casa, a sua casa mesmo, onde vivera toda a sua vida, mas acabou por desistir por julgar-se demasiado fraca. De modo a que prosseguiu o seu caminho a pé, enquanto o céu ameaçava desfazer-se em cima dela. As linhas do passeio de cimento torciam-se diante dos seus olhos e passado um tempo, grossas gotas de chuva caíram-lhe no cabelo. Arrastou-se para debaixo de um toldo que pertencia a uma esplanada e sentou-se numa das cadeiras de plástico verde-escuro. Limpou a cara com as costas da mão. Hoje não tinha mais forças para nada.
O café era como qualquer outro. As pessoas, ainda que nunca as tivesse visto, eram todas iguais. Os carros, a rua encharcada, as plantas, as nuvens, o lixo, tudo era igual a ontem, nada mudara. Até ela era se mantinha constante. A partir de um determinado momento, a vida dela tinha parado. E como Elisa vivia no mundo, ele também parara com ela.
Encostou as palmas das mãos ao nariz, e conseguiu inspirar a essência da professora nelas. Parecia que pelo menos alguma coisa tinha permanecido depois daquele encontro tão irreal.
- Podes vir aqui ter?
- Agora?
- Sim.
Desligou a chamada.
Um quarto de hora depois, Luís estava na sua frente, apenas separados pela chávena vazia que Elisa deixara em cima da mesa. Tinha o cabelo e a camisa de quadrados tão molhados que sentiu-se imediatamente arrependida de ter pedido para ele vir. Luís não dissera nada. Limitava-se a fitá-la, como ambos tinham aprendido a comunicar. A suavidade com que o fazia arrepiava-a, ainda que já começasse a ficar habituada a todo aquele ritual. Elisa correspondia do mesmo modo. Sabia que teria de ser ela a falar primeiro, mas não se sentia preparada para o fazer naquele momento.
- Queres ir embora? – perguntou-lhe Luís, mantendo a expressão de doçura.
Elisa acenou afirmativamente. Não andaram de mão dada nem nada que se parecesse. Sem pensar, conduziu-o para a casa dele. Não estava a pensar coerentemente nas implicações de tudo aquilo, mas deixara de se importar. A sua relação com Luís era tudo menos comum. Não tinha necessariamente de significar alguma coisa.
Roboticamente, Luís abriu a porta e subiram os dois os três lanços de escadas até ao terceiro andar, porque ali não havia elevador, como Elisa já tinha reparado anteriormente, quando fora a primeira vez a casa dele. Deixou que ela entrasse primeiro, como um cavalheiro. Elisa continuava fora de si. Sentou-se no sofá onde tinham estado antes. Luís sentou-se a seu lado e pegou-lhe na mão, uns minutos depois, quando as lágrimas de Elisa voltaram a correr. Correspondeu ao seu aperto, porque embora fosse um sentimento completamente independente do que estivera a sentir naquela cama de hospital há cerca de duas horas, era de igual modo intenso e reconfortante. Mais uns minutos se seguiram, e já estava encostada no seu ombro, não tentando evitar o choro compulsivo.
Luís não suportava vê-la assim. Agarrou bruscamente no corpo dela e abraçou-o imensamente. E assim os soluços de Elisa diminuíram de volume, apercebendo-se daquele gesto. Ela não estava a enterrar ninguém. Não podia ficar assim. Acreditava que as forças poderiam ser transmitidas pelo poder da mente, e o que ela mais precisava neste momento era, de facto, de forças. Tentou, por outro lado, aproveitar as energias que Luís lhe entregava tão amavelmente, para depois oferecê-las a Margarida.
As horas prolongavam-se, a tarde fez-se em noite, e toda a casa estava mergulhada numa escuridão profunda. Nenhum dos dois tinha-se dado ao trabalho de acender um candeeiro. Os estores beges das duas janelas poeirentas da sala agitavam-se com o vento, emitindo ruídos cantantes enquanto batiam contra a janela. Uma corrente de ar entrava pela porta principal, uivando continuamente. À parte disso, tudo era silêncio. Ocasionalmente, Luís tornava a encostá-la contra si. Elisa ouvia a tempestade lá fora, e acalmava a que estava dentro de si. Apreciava todos aqueles bocadinhos de amor que ele lhe proporcionava. Não tinha bem a certeza se aquilo era sequer amor. Nunca se tinha sentido assim antes.
Pensou em ir para casa, a sua casa mesmo, onde vivera toda a sua vida, mas acabou por desistir por julgar-se demasiado fraca. De modo a que prosseguiu o seu caminho a pé, enquanto o céu ameaçava desfazer-se em cima dela. As linhas do passeio de cimento torciam-se diante dos seus olhos e passado um tempo, grossas gotas de chuva caíram-lhe no cabelo. Arrastou-se para debaixo de um toldo que pertencia a uma esplanada e sentou-se numa das cadeiras de plástico verde-escuro. Limpou a cara com as costas da mão. Hoje não tinha mais forças para nada.
O café era como qualquer outro. As pessoas, ainda que nunca as tivesse visto, eram todas iguais. Os carros, a rua encharcada, as plantas, as nuvens, o lixo, tudo era igual a ontem, nada mudara. Até ela era se mantinha constante. A partir de um determinado momento, a vida dela tinha parado. E como Elisa vivia no mundo, ele também parara com ela.
Encostou as palmas das mãos ao nariz, e conseguiu inspirar a essência da professora nelas. Parecia que pelo menos alguma coisa tinha permanecido depois daquele encontro tão irreal.
- Podes vir aqui ter?
- Agora?
- Sim.
Desligou a chamada.
Um quarto de hora depois, Luís estava na sua frente, apenas separados pela chávena vazia que Elisa deixara em cima da mesa. Tinha o cabelo e a camisa de quadrados tão molhados que sentiu-se imediatamente arrependida de ter pedido para ele vir. Luís não dissera nada. Limitava-se a fitá-la, como ambos tinham aprendido a comunicar. A suavidade com que o fazia arrepiava-a, ainda que já começasse a ficar habituada a todo aquele ritual. Elisa correspondia do mesmo modo. Sabia que teria de ser ela a falar primeiro, mas não se sentia preparada para o fazer naquele momento.
- Queres ir embora? – perguntou-lhe Luís, mantendo a expressão de doçura.
Elisa acenou afirmativamente. Não andaram de mão dada nem nada que se parecesse. Sem pensar, conduziu-o para a casa dele. Não estava a pensar coerentemente nas implicações de tudo aquilo, mas deixara de se importar. A sua relação com Luís era tudo menos comum. Não tinha necessariamente de significar alguma coisa.
Roboticamente, Luís abriu a porta e subiram os dois os três lanços de escadas até ao terceiro andar, porque ali não havia elevador, como Elisa já tinha reparado anteriormente, quando fora a primeira vez a casa dele. Deixou que ela entrasse primeiro, como um cavalheiro. Elisa continuava fora de si. Sentou-se no sofá onde tinham estado antes. Luís sentou-se a seu lado e pegou-lhe na mão, uns minutos depois, quando as lágrimas de Elisa voltaram a correr. Correspondeu ao seu aperto, porque embora fosse um sentimento completamente independente do que estivera a sentir naquela cama de hospital há cerca de duas horas, era de igual modo intenso e reconfortante. Mais uns minutos se seguiram, e já estava encostada no seu ombro, não tentando evitar o choro compulsivo.
Luís não suportava vê-la assim. Agarrou bruscamente no corpo dela e abraçou-o imensamente. E assim os soluços de Elisa diminuíram de volume, apercebendo-se daquele gesto. Ela não estava a enterrar ninguém. Não podia ficar assim. Acreditava que as forças poderiam ser transmitidas pelo poder da mente, e o que ela mais precisava neste momento era, de facto, de forças. Tentou, por outro lado, aproveitar as energias que Luís lhe entregava tão amavelmente, para depois oferecê-las a Margarida.
As horas prolongavam-se, a tarde fez-se em noite, e toda a casa estava mergulhada numa escuridão profunda. Nenhum dos dois tinha-se dado ao trabalho de acender um candeeiro. Os estores beges das duas janelas poeirentas da sala agitavam-se com o vento, emitindo ruídos cantantes enquanto batiam contra a janela. Uma corrente de ar entrava pela porta principal, uivando continuamente. À parte disso, tudo era silêncio. Ocasionalmente, Luís tornava a encostá-la contra si. Elisa ouvia a tempestade lá fora, e acalmava a que estava dentro de si. Apreciava todos aqueles bocadinhos de amor que ele lhe proporcionava. Não tinha bem a certeza se aquilo era sequer amor. Nunca se tinha sentido assim antes.
- Queres ficar cá hoje?
Não pensou duas vezes – Quero.
1 comentário:
Enfim, não é? O que é que uma pessoa diz? Quero ver a história completa, quero imprimi-la e lê-la à noite, com a janela grande da varanda aberta, iluminadas as folhas pelo mínimo de luz.
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