One face among the many, I never thought you cared.

But we're never gonna survive, unless...


Tinha a testa quentíssima, a ferver. Não sabia se era febre, se era só calor e mal-estar, se estava a deixar os seus pensamentos irem longe demais e, por isso, o próprio corpo não suportava a pressão. De qualquer das formas, não se sentia consciente o suficiente para perceber o seu verdadeiro estado.
Tudo o que realmente sabia, é que, finalmente, após tantos dias de coração apertado e a chorar, ali, conseguiu ter um segundo para inspirar e expirar, e acreditar que ainda estava viva.
Não conseguia ir para casa, onde estava a mãe para a segurar, porque estar com ela era quase como afundar-se cada vez mais na situação. Em vez de a reconfortar, acabava sempre por trazer mais problemas do que já tinha. Em consequência disso, algo mais forte que ela obrigou-a a fugir dali para fora.
Ligou à única pessoa que sabia que a poderia fazer sentir minimamente melhor. Como por magia, amenizava todas as dores, mesmo as mais fortes. Ao percorrer as ruas, desnorteada, cansada, de olhos que mal conseguiam fixar as pedras do passeio e que viam as luzes da rua desfocadas, ouviu música, ouviu vozes, carros e risos. Também ouviu o silêncio, e não gostou dele.
A casa dela era por ali, tinha quase a certeza que sim. Não tinha trazido nada consigo, para além das chaves de casa e do telemóvel. Esperava não estar enganada.




Mais tarde, não se recordava bem do que tinha acontecido no intervalo de tempo entre o momento em que ela lhe abrira a porta e quando acordara no sofá. O primeiro contacto, o choque espelhado na cara dela, disso lembrava-se, das mãos preocupadas a cobrirem-lhe o rosto que depois lhe apertaram igualmente os braços, e de deixar as lágrimas escaparem mais uma vez, embora fosse mais difícil fazê-lo ali, tal era o alivio de a ver, e de sentir que estava mais protegida que nunca naquele lugar, do que em qualquer outro sitio. Deu-lhe um copo de água, tocou-lhe por educação, mas logo o pousou e voltou à vulnerabilidade. Permitiu-se ser frágil. Não teve medo ou constrangimento quando colocou a cabeça no seu ombro, deixando que ela a abraçasse com uma doçura incomensurável. Apreciou aquele momento com o maior vigor possível, porque nada, nada, seria alguma vez comparável a ele.
Acordou e não sabia quantas horas tinha dormido, entre as palavras murmuradas que ela ia dizendo para a acalmar e as festas que lhe fazia no cabelo. Ligou à mãe a avisar onde estava, para que não se preocupasse. Abriu os olhos com algum custo, as pestanas estavam coladas umas às outras, e tentou equilibrar-se nas duas pernas com alguma dificuldade. Sentia-se fraca. Olhou para o relógio. 23:54. Não tinha bem a certeza como conseguira chegar ali e qual tinha sido a força que a impelira, mas agora sentia-se mal. Não podia entrar na casa das pessoas assim, por muito que as amasse.
Tornou a sentar-se no sofá, inspirando o ar da casa. Queria guardar aquele ar para sempre no seu peito, para respirá-lo sempre que se sentisse perdida. Acariciou o tecido e percorreu o compartimento com o olhar.


(...)

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