One face among the many, I never thought you cared.

Reencontros [/.]


Apoiou-se no balcão mármore frio, de cotovelos espetados e rodando a colher de plástico dentro do copo de café. Estava demasiado cansada para estar no emprego. Estava demasiado cansada para ir para casa. Estava demasiado cansada para se deitar.
Lá no fundo, tocava uma balada qualquer, daquelas antigas que toda a gente sabia de cor, comuns em praticamente todos os lares habitados por bons apreciadores de música. Viu-se a desejar que estive ali alguém. Mas não um alguém qualquer. Ele, mais propriamente.
Mas ele já não fazia parte da sua vida. Bom, de certa forma fazia; continuava a vê-lo todos os dias. Em geral, a sua presença não a afectava. Habituara-se. De qualquer das formas, fora ela que terminara com aquilo.
Hoje não tinha vindo trabalhar. Era o terceiro dia consecutivo que não ia trabalhar. Não que isso a incomodasse numa outra altura, porém, sentia-se estranhamente sozinha. Não ajudava o facto do namorado também ter partido, fazia uma semana, para o outro lado do país.
Estava demasiado cansada, sim, mas pensou que não seria uma má ideia ir a casa dele e descobrir o que se passava. Não atendia telefonemas, não enviava recados e ainda ninguém se disponibilizara para ir averiguar a situação. Ela também não se quisera oferecer, talvez por remorso, ou por conveniência própria, e provavelmente ainda assim fosse por sua conveniência.
Quinze minutos depois, estava a percorrer a estrada nacional que iria dar à sua casa. Tinha as mãos suadas a apertarem o volante com força. Estaria com medo de alguma coisa? Que medo? Medo de si mesma? Medo do que poderia encontrar? Medo do que ele faria quando a visse? Eram amigos, não eram?
Os faróis iluminavam o alcatrão e os arbustos que ladeavam a via. Estava muito, muito escuro. Fizera o mesmo percurso vezes sem conta no passado, enquanto ainda eram amantes, e ela ia a casa dele para uma longa noite de conforto e satisfação. Era corajosa. Sabia que o era.
(…)

Estacionou o carro na frente da porta castanha escura 703. Um frio de Outono entrou-lhe pelo casaco e obrigou-a a cruzar os braços até às escadas. Bateu duas vezes. Ia bater a terceira, e deteve-se quando ouviu passos. Um vulto negro, mas inconfundível, abriu a porta. Tinha o cabelo despenteado e estava descalço. Apesar da fraca iluminação, conseguia ver-lhe as feições que espelhavam o seu estado de espírito.
- Entra, disse-lhe ele.
Entrou; quase se esbarrava com dois caixotes pousados na entrada da porta. – Cuidado, avisou.
Sentou-se no sofá desarrumado. Reparou na almofada e no cobertor, olhando-os com uma certa apreensão, ainda que se esforçasse para não mostrá-la. – Está cá mais alguém? Estava a sussurrar. Estaria ali mais alguém?
- Não, apenas eu.
- Então, andas a dormir na sala? Não conseguiu evitar um leve sorriso.
- Apercebi-me que fazia bem à coluna. - Sorriu também – Estou a pintar o quarto.
- Oh. A sério?
- A sério.
Silêncio.
- Estamos todos preocupados contigo. Não apareces nem comunicas com ninguém há três dias. Travou um suspiro de ansiedade. Estava a conter emoções, bem o sabia. Sentia-o, mesmo. E isso assustava-a. Já não se sentia assim desde que…
- Tu também?
Desde que terminara com ele. – É claro.
- Tens-me feito muita falta.
Novo suspiro. Não estava a tentar ter paciência para com ele. Estava a tentar controlar-se. Mas não queria admitir que também sentia tudo o que ele possivelmente também sentia.
Ao contrário da última vez que o dissera, não estava sob o efeito da bebida. Podia não estar a ser racional, mas também não estava totalmente inconsciente.
Acreditou-se. Acenou lentamente.
Ele aproximou-se. Cheio de precauções. Da última vez, recusara-o, como deveria tê-lo feito agora. Mas deixou-o sentar-se do seu lado, segurar-lhe na mão e apertá-la suavemente.
- Sabes que não posso fazer isto. – murmurou-lhe.
- Então porque vieste? Era uma grande pergunta. Uma óptima pergunta. Infelizmente, não sabia a resposta. Se a sabia, não queria admitir que a sabia. Manteve-se calada, compreendendo que ao não responder, teria de aguentar com as consequências.
Passou-lhe o braço em torno dos ombros. Deixou-se ir. Tinha saudades daquilo. Daquele perfume. Daquele calor. Da respiração dele perto da dela. Sentiu-o cheirar o aroma do champô do seu cabelo e depois beijá-lo. Perdendo a noção do certo e do errado, correspondeu ao seu abraço e encostou-se ao seu corpo, grande e protector. Precisava dela. Puxou-a mais para junto de si e beijou-a.


(...)

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